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Memórias do Front: 2009

O objetivo deste blog é resgatar, através de artigos, histórias de pessoas que se envolveram no maior conflito da História - A Segunda Guerra Mundial - e que permaneceram anônimas ao longo destes 63 anos. O passo inicial de todo artigo publicado é um item de minha coleção, sobretudo do acervo iconográfico, a qual mantenho em pesquisa e atualização. Os textos originados são inéditos bem como a pesquisa que empreendo sobre cada imagem para elucidar a participação destes indivíduos na Guerra.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

José Dequech: A serviço da Artilharia da FEB

Na madrugada do dia 2 para o dia 3 de dezembro de 1944 o Sargento Auxiliar José Dequech estava recolhido ao seu abrigo quando começou a ouvir os sons da batalha ecoando a distância. Pouco tempo depois um oficial percorreu seu abrigo acordando todos para que ocupassem suas posições de tiro, pois “muita gente nossa estava morrendo”.[1] Dequech prontamente atendeu a ordem e ordenou aos seus homens a tomada de posição e aguardou, pacientemente, os comandos da Central de Tiro. Aquela madrugada ficaria marcada em muitos homens integrantes da Força Expedicionária Brasileira que estavam lutando na Itália naquele gelado outono de 1944.

Dequech, natural do Paraná, era Sargento Auxiliar da Companhia de Obuses do 11º Regimento de Infantaria da FEB. Havia se incorporado a tropa ainda em 1943 quando foi convocado e se juntou ao então 3º Regimento de Artilharia Montada com sede em Curitiba. Lá aprendeu a ser um homem da artilharia e com todo orgulho entendeu o seu dever. No início de junho cabos e soldados receberam a ordem de que se deslocariam até Pindamonhangaba como parte da transferência para o Rio de Janeiro a fim de integrarem a 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária. Dequech lembra que, naquela manhã do dia 24 de junho, enquanto marchava pela Avenida 7 de Setembro em direção a Estação Ferroviária, em Curitiba, seu irmão o acompanhava, pela calçada. Emocionado e com problemas cardíacos acabou por sentar-se na calçada e acompanhar a passagem de seu irmão ao longe. Com um lenço branco despedia-se do seu irmão de sangue que em breve engrossaria as fileiras do exército brasileiro na Itália.

O grupo permaneceu em Pindamonhangaba até 17 de julho quando foi transferido para a Vila Militar, no Rio de Janeiro. Dali a pouco foi efetuado um chamamento de homens e uma lista divulgada: nova companhia de obuses seria montada para completar o claro do 11º Regimento de Infantaria. A companhia original havia seguindo junto com o 6º Regimento de Infantaria para a Itália, em 2 de julho de 1944, quando partiu o primeiro escalão da FEB para o teatro de operações. Dequech não fazia parte da lista, mas para acompanhar um querido amigo trocou com outro sargento que havia sido designado. José Dequech estava com a passagem garantida para a Itália.

Na Artilharia cada peça ou obus é comandada por um sargento; duas peças se juntam numa seção comandada por um tenente e quatro peças formam um conjunto sob o comando de um capitão. O obus é uma arma diferente do canhão: ele dispara em trajetórias obliquas ou parabólicas e seu objetivo primordial é bombardear uma área com salvas seguidas que acabam caindo em pontos próximos. Uma bateria de obuses pode varrer uma pequena área em média a 18 km de distância. As companhias de Obuses dos regimentos de Infantaria da FEB utilizavam o obus Howitzer M3 de 105 mm que tinham alcance máximo de 6 mil metros. Quando estivesse em solo italiano, as baterias de José estariam a cerca de 3 mil metros da linha de frente.

Ao ser designado para a companhia de obuses do 11º RI, Dequech teve de aprender os maneirismos do infante. Mas isso não deixou ser orgulho de artilheiro de lado: conta que ao término dos exercícios de educação física do regimento os artilheiros entoavam a canção da artilharia pelos quatro campos do campo de treinamento de Gericinó.

Em 20 de setembro de 1944 aporta no porto do Rio de Janeiro os transportes de tropas General Mann e General Meiggs a fim de levar a Itália o 2º e o 3º escalões da Força Expedicionária Brasileira. José Dequech embarcou no General Meiggs e atravessou o Atlântico em 15 dias, aportando em Napóles em 6 de outubro de 1944. Transferidos para um campo de treinamento, estes homens permaneceram a espera de material e, posteriormente, em treinamento até o final do mês de novembro, quando receberam ordem de deslocar-se. A ordem geral de substituição ocorreu em 21 de novembro.[2]

A partir de 26 de novembro o comandante do IV Corpo de Exército decidiu empregar ofensivamente todo o 1º DIE ampliando, conseqüentemente, o setor brasileiro. O Marechal Mascarenhas de Moraes também recebeu ordens de tomar o comando global de sua divisão bem como liberdade de ação total. A Força Expedicionária Brasileira ficou responsável por um setor de 15 quilômetros, além de montar nova ofensiva para a tomada de Monte Castello – Monte della Torraccia e Castelnuovo. A data estabelecida foi 29 de novembro e o ataque seria de inteira responsabilidade da 1º DIE.

A companhia de Obuses do 11º RI teria seu batismo de fogo na noite de 28 de novembro, quando deslocou-se em direção ao Monte Castelo. Seu objetivo era dar cobertura ao ataque de 29 de novembro. De acordo com Dequech “com muita dificuldade, as nossas viaturas arrastavam os obuses pelos caminhos escarpados e lamacentos que levavam as posições nas alturas de Paroncella, de onde atiraríamos sobre o castelo. No caminho, as granadas de artilharia que iam e vinham já silibavam sobre as nossas cabeças”.[3] A madrugada foi de intenso trabalho para construir a posição de tiro.

Para o ataque foi designado um grupamento de três batalhões brasileiros ( I/1º RI, 3º/11º RI e 3º/6º RI) com apoio de três grupos de artilharia (dois brasileiros e um Norte-Americano) sob o comando do Gen. Zenóbio da Costa. Porém, as condições climáticas não favoreceram o ataque. Chovia muito e o céu encoberto não permitiu o uso de apoio aéreo. O ataque se iniciou às 7 horas. Por volta das 12 horas as tropas bateram em retirada, assoladas por 185 pesadas baixas. Durante os dias de 29 e 30 as últimas unidades do 2º e 3º escalão da FEB chegaram ao Vale do Reno.

Na noite do dia 2 de dezembro o batalhão do Major Jacy Guimarães do 11º RI deveria tomar posição em frente ao castelo. A substituição de tropas causou o que ainda hoje é conhecido como a debandada do I Batalhão. Dequech dedicou algumas páginas de suas memórias a este acontecimento até porque esteve indiretamente envolvido. Na madrugada de 3 de dezembro o sargento é acordado por oficiais ordenando que os praças tomassem posição de tiro. Havia pedidos de artilharia vindos do I batalhão comandado pelo Major Jacy. Dequech conta que uma das companhias do I Batalhão havia sido surpreendida por uma patrulha alemã e que no restante da noite as tropas foram fustigadas por artilharia e morteiros alemães, o que causou a ordem de retraimento do batalhão dada pelo Major. O acontecimento ainda está por ser desvendado: o relatório de Jacy indica que, de fato, houve combate entre alemães e brasileiros embora soldados afirmem que não existiu combate efetivo além de uma grande confusão e pânico que se instalaram na área do I Batalhão. A inexperiência de uma tropa não acostumada ao combate aliada a inexperiência dos superiores causara grande confusão na linha de combate. Inexperiência ou não, naquela noite Dequech aguardou até o amanhecer as ordens de tiro enquanto acompanhava o desenrolar dos acontecimentos que chegavam através das noticias até sua companhia.

Dequech viu a guerra de perto: presenciou a situação de pobreza do povo italiano, repartiu sua ração com civis e recebeu muita artilharia alemã na cabeça. A companhia de Obuses do 11º RI acompanhou o regimento em toda a sua estada pela Itália. Estava presente na tomada final de Monte Castelo em 21 de fevereiro de 1945 além da batalha por Montese. Dequech retorna ao Brasil em setembro de 1945, exatamente 1 ano após deixar a terra natal em direção ao Teatro de Operações da Itália.


[1] DEQUECH, José. Nos estivemos Lá. Legião Paranaense do Expedicionário: Curitiba, 1994. p. 52
[2] BRAYNER, Marechal Floriano de Lima. A verdade sobre a FEB. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 1968 p. 237
[3] DEQUECH, op. cit. p. 48

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Bruno Rzonca: sobrevivente do encouraçado Bismarck

Por alguns minutos ele lutou contra a água terrivelmente gelada e as grandes ondas que se formavam no Atlântico Norte. Um companheiro ferido agarrou-se em seu pescoço e ele disse que não poderia ajudá-lo. Ao olhar para frente ele viu o mastro de um navio e o identificou como sendo de origem inglesa. O companheiro ferido não quis nadar em direção ao navio, pois julgou que os ingleses atirariam contra ele. Ao se aproximar ele viu que o navio tinha cordas penduradas nas laterais e começou a escalá-las. Com a ajuda de marinheiros britânicos ele foi puxado para dentro. Sua vida havia sido salva naquele momento.[1]

Esta é a história final de Bruno Rzonca um marinheiro alemão que servia, ao final do mês de maio de 1941, no navio de guerra Bismarck. Bruno foi um dos 116 marinheiros salvos naquele dia pelos britânicos após o afundamento do navio que contava então com uma tripulação de 2065 homens. A história do Bismarck, entretanto, havia começado muito tempos antes assim como a trajetória de Bruno durante a Segunda Guerra Mundial.

O Bismarck era um couraçado alemão de 52 mil toneladas que foi projetado em 1934 e construído a partir de 1936 nos estaleiros de Hamburgo. Foi lançado ao mar em fevereiro de 1939, alguns meses antes de a guerra se iniciar. Pertencente a classe dos navios de batalha, o couraçado Bismarck era armado com grandes peças de artilharia e possuía forte blindagem lateral. Apesar disto, os engenheiros optaram por colocar uma camada mais fina de blindagem no convés e em não instalar os sistemas mecânicos e os sensores de direção de tiro na área blindada. Esta decisão se revelou fatal durante a batalha. O navio carregava ainda quatro hidroaviões Arado 196 que poderiam ser catapultados para missões de reconhecimento. Cientes do poder de fogo do Bismarck, desde o inicio da guerra os ingleses se empenharam em afundá-lo.




A marinha Alemã, naquela época, recuperava-se dos limites impostos pelo tratado de Versalhes, ao final da I Guerra Mundial. Apesar disto, era uma organização bastante tradicional e considerada pelos estudiosos como a menos politizada das Forças Armadas. O próprio Hitler dizia que possuir um exército reacionário, uma força aérea nacional Socialista e uma Marinha de Guerra cristã. Mesmo com os esforços do governo nacional-socialista, a Kriegsmarine inicia a guerra com um número muito inferior de navios de guerra em comparação aos seus aliados. O Bismarck era um dos dois couraçados alemães que faziam parte de uma frota de 12 grandes navios de batalha.[2] Outros navios menores e, posteriormente, os temíveis submarinos também faziam parte da força da marinha alemã.

Sendo uma organização tradicional o treinamento dos candidatos a marinheiros era extremamente duro. O treinamento básico dado aos recém chegados era o mesmo dado as tropas do Exército. Os marinheiros aprendiam a atirar e praticar com a baioneta além de exaustivas sessões de exercícios e marchas. Após este período eram direcionados as escolas técnicas onde aprenderiam os rudimentos de mecânica, engenharia, rádio e outros serviços necessários.

Bruno Rzonca, como muitos jovens de sua época, em 1938 se juntou ao Arbeitsdienst, o serviço compulsório de trabalho estatal alemão. Após servir por alguns meses foi dispensado e se alistou na Kriegsmarine, em abril de 1939. Seu treinamento básico durou até outubro de 1939 quando então foi designado a servir no cruzador Karlsruhe. Rzonca trabalhava na sala das caldeiras e durante os meses seguintes recebeu toda a instrução necessária para trabalhar no Karlsruhe. Em abril de 1940 o navio recebeu a ordem de invadir o porto de Kristiansand, na Noruega e levar consigo 200 soldados que deveriam ser desembarcados no porto para tomar a cidade de assalto.

O Karlsruhe chegou incólume no porto e desembarcou os soldados. Mas ao deixar o porto o navio foi atingido por um torpedo de um submarino britânico. O torpedo atingiu justamente uma das salas de máquinas e o navio não mais poderia se movimentar. Navios menores alemães resgataram a tripulação do Karlsruhe e o afundaram. Ao chegarem ao porto de Keil, no dia seguinte, Rzonca e muitos outros tripulantes foram condecorados com a Cruz de Ferro II Classe.

Bruno então foi transferido, algumas semanas depois, para servir no Bismarck em maio de 1940. Sua tarefa no grande navio era a manutenção do sistema de catapulta dos Arados. Durante o restante do ano de 1940 Bruno viveu a vida dentro do Bismarck. Em maio 1941 Hitler fez uma visita surpresa ao grande couraçado. Como Rzonca havia sido condecorado com a Cruz de Ferro de II Classe pôde ficar na primeira linha de soldados que Hitler passaria em revista. Ironicamente, poucas semanas depois o orgulho da marinha alemã seria afundado em uma encarniçada batalha com os britânicos que duraria até o dia 27 de maio.

O Bismarck recebeu em meados de maio a sua missão. A operação chamada de Rheinübung tinha como objetivo sondar as rotas inglesas que atravessavam o Atlântico norte nas proximidades da Islândia e da Groelândia. O almirante Günther Lütjens era o comandante da operação e viajava a bordo do Bismarck. Junto com o Bismarck o navio Prinz Eugen participaria das operações. Partindo da Alemanha em 18 de maio de 1941, apenas no dia 19 a tripulação recebeu o aviso do comandante do Bismarck, Capitão do mar Lindemann, de que ficariam em movimento pelo Atlântico pelos próximos meses. O couraçado seguiria pela costa da França onde atravessaria o estreito do Mar do Norte e chegaria na região do Atlântico Norte. Em 20 de maio um reconhecimento aéreo nas proximidades de Bergen identificou a frota alemã. A informação foi repassada a marinha inglesa que começou seus preparativos para caçar o Bismarck. A grande preocupação dos britânicos era a existência de cinco comboios na região do Atlântico norte.[3]

Parte de um grupo de navios de guerra britâncios que estavam atracados em Scapa Flow foram designados para procurar o Bismarck. O objetivo destes navios era fechar o acesso do Bismarck ao Atlântico Norte entre as ilhas britânicas e a Noruega. Os navios de guerra King George V, Prince of Wales, Hood, Repulse e o porta aviões Victorious foram enviados e se separaram em dois grupos. O atraso no recebimento das informações fez com que o rastro do Bismarck fosse perdido.

Mas a falta de informações por parte da inteligência alemã também dificultou o avanço do Bismarck. Sabendo que uma frota britânica estivera em Scapa Flow, Lütjens decide, na noite de 22 de maio, avançar rumo ao estreito da Dinamarca, uma área entre a costa da Groelândia e a Islândia. No entanto, atentos aos possíveis planos da Kriegsmarine, dois cruzadores ingleses patrulhavam a área do estreito da Dinamarca. O Bismarck foi então reconhecido novamente ao final da tarde do dia 23 de maio por um destes cruzadores. A informação chega a frota britânica que aguardava noticias sobre a localização do grande couraçado. O Hood e o Prince of Wales recebem a ordem de interceptar o Bismarck.

Ao amanhacer do dia 24 de maio a batalha entre o Hood e o Bismarck se inicia. Os cruzadores Norfolk e Suffolk observavam a batalha de longe. Embora os ingleses tenham atacado primeiro, a salva de tiros lançada pelo Bismarck, coberto pelo Prinz Eugen, acertou em cheio o paiol de munições do Hood. Bruno não viu a batalha; mas os boatos correram pelo navio como um raio. A terrível explosão foi vista pelo comandante do Prince of Wales. O Hood se partiu ao meio e afundou rapidamente, levando consigo a vida de 1416 homens, com exceção de três sobreviventes. Sem ajuda e sendo fechado pelo Bismarck e pelo Prinz Eugen, o navio britânico decide se afastar. Mas os canhões do Bismarck continuavam prontos; levava-se apenas 20 segundos para recarregá-los[4] e o Prince of Wales acabou se envolvendo em pequena troca de tiros com o Bismarck. Ambos os navios foram danificados sendo que o Bismarck teve danificados um dos seus compartimentos de oleo combustivel.

Pelo resto do dia os dois navios alemães continuaram sua rota, agora em direção a França. O Bismarck necessitava de reparos e estava sendo seguido, ao longe, pelos cruzadores britânicos. Ao final do dia as condições metrológicas dificultaram a ação dos caçadores britânicos. Ao anoitecer o rastro do Prinz Eugen foi perdido. Enquanto isso outros navios britânicos saindo de Gibraltar, entre eles o porta aviões Ark Royal, seguiam em direção a posição do encouraçado alemão que agora navegava sozinho.




Na madrugada do dia 25, os britânicos lançam ao céu aviões Swordfish em direção ao Bismarck. Bruno desta vez estava no deque e pode ver os pequenos aviões se aproximando. De acordo com ele “os aviões pareciam gaivotas porque eram muito lentos. O torpedo que atingiu o leme não fez uma grande explosão. Foi mais um baque que causou sujeira. O céu estava cheio de pequenas explosões dos canhões antiaéreos do Bismarck”.[5] Depois de três horas o cruzador Suffolk perde o rastro do Bismarck.



O grande navio só será encontrando novamente na manhã do dia 26 de maio, embora as condições de tempo estivessem lastimáveis. Um hidroavião Catalina da RAF consegue localizá-lo a 690 milhas a oeste de Brest. Ao final do dia partem do porta-aviões Ark Royal uma série de Swordfishs com a intenção de atacar o grande couraçado alemão. A ação se torna difícil, mas um torpedo novamente acerta o leme e dessa vez arranca as hélices. O couraçado perde velocidade e está perigosamente avariado.

Ao amanhecer o grande navio está parado no mar. De acordo com Bruno, é feita uma tentativa de se lançar os hidroaviões Arado 196 através das catapultas, mas o sistema havia sido avariado e a operação não foi possível. Já era possível distinguir pelos radares a presença de novos navios britânicos nas proximidades. O Rodney e o George V começam a salva de tiros as 8:47 da manhã do dia 27. Por volta das 10 horas o Bismarck já estava em chamas.

Bruno não sabe ao certo o horário em que ouviu pelos alto-falantes a primeira ordem de abandonar o navio. Os marinheiros deveriam então abrir as válvulas dos deques a medida que iam subindo para facilitar o afundamento do navio. Bruno tinha medo. Ele sabia que, depois de dada a primeira ordem, em cerca de 30 minutos o Bismarck afundaria. A situação era de desespero, mesmo que muitos ainda permanecessem calmos.

Os tiros britânicos colocaram o Bismarck fora de ação. Os sistemas diretores de tiro dos grandes canhões foram atingidos e as enormes bocas de fogo do Bismarck não mais podiam atirar com eficiência. Esta foi uma das conseqüências de colocar muitos sistemas importantes sem capa de blindagem.

A segunda ordem de abandonar o navio foi dada. Bruno começou a procurar uma saída e percebeu que muitos homens estavam sentados e não faziam menção de sair do navio. Ele perguntou então o que aqueles marinheiros estavam fazendo ali. Eles responderam que não havia nenhum barco alemão que os pudesse salvar, a água estava muito gelada e as grandes ondas os afogariam de qualquer forma. Eles, como muitos, haviam decidido afundar com o Bismarck.[6]

Quando Bruno alcançou o convés viu que os britânicos continuavam atirando com seus canhões: “Corpos estavam próximos as torres dos canhões e todo o deque estava sujo de sangue e partes de corpos. Havia alguns marinheiros feridos e eles pediram ajuda para cair na água. Eu os ajudei e depois tirei meu colete salva vidas e me joguei na água. Eu pensei que fosse ser o meu fim. Eu tinha apenas 23 anos, havia começado a viver, estava noivo e não havia chances de me salvar”.[7] Bruno começou então a nadar o mais rápido que podia. A temperatura da água estava em torno de 15º. O Bismarck estava começando a afundar com mais força e a única chance de se salvar era nadar para o mais longe possível. Então Bruno ouviu um grande som e olhou para trás: o Bismarck afundava e levada consigo muitos que ainda nadavam ao seu redor.

Após nadar por tempo indeterminado, Bruno foi salvo por um navio britânico. Muitos colegas seus morreram afogados pelas altas ondas ou mesmo de frio. A maior parte foi ferida durante o ataque ou consolou-se em afundar com o navio.

O Bismarck não foi afundado pelos britânicos. Embora tenha sido atingido diversas vezes, os torpedos britânicos que atingiram o casco não foram capazes de romper a blindagem. Discute-se ainda hoje por qual motivo o Almirante Lütjens teria decidido rumar para o sul ao final do encontro com o Hood e o Prince of Wales, em 24 de maio, quando poderia ter seguido em direção ao Norte. Ao escolher a direção Sul, Lütjens foi de encontro aos navios que estavam em Gibraltar e receberam ordens de partir em direção ao caminho do Bismarck, entre eles o Ark Royal e mais dois cruzadores.[8]

Bruno foi então feito prisioneiro de guerra. Foi transferido para o Canadá em 1942 e se casou com sua noiva por procuração. Retornou a Alemanha em 1946 quando pode reencontrá-la novamente. Em 1952 Bruno conseguiu se mudar com a família para os Estados Unidos e lá nasceu a sua segunda filha. Ele se aposentou em 1980 e desde a morte de sua esposa, em 1995, Bruno vivia a freqüentar as feiras de militaria nos EUA onde apresentava-se e vendia cópias de fotos suas autografadas, como a que ilustra este artigo. Em 23 de julho de 2004 Bruno Rzonca faleceu aos 94 anos.




[1] A imagem que ilustra este artigo é uma cópia autografada por Rzonca pertencente a coleção de Ricardo. Os detalhes expressos neste artigo bem como as falas do marinheiro Bruno Rzonca foram retiradas da entrevista disponível em http://www.kbismarck.com/crew/interview-brzonca.html.
[2] WILLIAMSON, Gordon. German Seaman 1935-1945. Osprey Publishing. p. 45
[3] CARTIER, Raymond. A Segunda Guerra Mundial (1939-1942) Primeiro Volume. PRIMOR: Rio de Janeiro, 1976. p. 209
[4] De acordo com B. Rzonca.
[5] Entrevista disponível em http://www.kbismarck.com/crew/interview-brzonca.html.
[6] Entrevista disponível em http://www.kbismarck.com/crew/interview-brzonca.html.
[7] Entrevista disponível em http://www.kbismarck.com/crew/interview-brzonca.html.
[8] CARTIER, Raymond. A Segunda Guerra Mundial (1939-1942) Primeiro Volume. PRIMOR: Rio de Janeiro, 1976. p. 211

quinta-feira, 23 de abril de 2009

B-17 Ooold Soljer: infortúnio nos céus

A foto ao lado ilustra um alegre momento da tripulação do B-17 Ooold Soljer em 28 de março de 1943. Os registros do 360º Esquadrão indicam que, naquele dia, a tripulação havia voado até Rouen, França e sua missão tinha como alvo o pátio ferroviário da cidade. Foram despachados 18 aviões bombardeiros naquela manhã e a missão teve duração de 4 horas e 10 minutos. O piloto do Ooold Soljer Capitão Lewis E. Lyle liderou a missão.[1] Na foto pode se observar, na primeira fila da esquerda para a direta: o 1º Ten. G.V. Stallings (observador), o 1º Ten K.O. Bartlett (Co-piloto), o Captitão L.E. Lyle (Piloto), os tenentes M.S. Fonorow (Bombardeador), S.H. Anderson (Navegador), e o Capitão P.C. Young (observador). Na segunda fila, da esquerda para a direita, os sargentos C.S. Bolcombe (Radio operador), G.K. Smith (Engenheiro), F.A. Hartung (artilheiro) T. McGriffin (artilheiro de cauda), E.A. Bradford (artilheiro), R.H. Sangster (artilheiro), W.W. Smith (artilheiro).

No início de 1942 o então Ten. Lyle se destaca como piloto e toma parte na formação original de homens do 303º Grupo que embarca para a Inglaterra em outubro de 1942. As tripulações recebem uma espécie de prêmio: dias antes de sua partida para a Inglaterra o grupo recebe 35 aviões B-17 recém saídos de fabricada. Sua missão é atravessar o Atlântico com os aviões. Em troca as tripulações recebem o direito de dar um nome e um atributo aos aviões. Essa situação faz com que as tripulações se apeguem fortemente com os aviões, já que estes possuem um traço individualizado da tripulação. Lyle e sua tripulação recebem o B-17 número 42-24559 e o batizam de Ooold Soljer. Sua nose art é inspirada em um desenho da Disney que retrata o cão Pluto no exército. [2]

O grupo parte dos EUA entre 3 e 13 de outubro de 1942. Ao final do mês de outubro o grupo já está completo na Inglaterra e sua primeira missão será realizada em 16 de novembro de 1942. Naquela época os EUA possuíam apenas 4 grupos de bombardeiros B-17 e dois grupos de bombardeiros B-24, totalizando uma média de 95 bombardeiros para atuar contra a ocupação nazista nos territórios da França, Bélgica e Holanda.

Como piloto, Lyle voou três tours de combate durante toda a guerra alcançando um total de 69 missões de combate. Ao final da guerra Lyle já havia alcançado o posto de Tenente Coronel e liderava o 41º Comando de Bombardeiro. Sua sorte havia sido lançada na manhã de 31 de março de 1943: desde que havia chegado na Europa, o então Capitão Lyle havia voado a maior parte das missões no B-17 Ooold Soljer. O próprio Lyle havia trazido o avião dos EUA no começo de 1942, realizando a travessia do oceano Atlântico. Para a missão de 31 de março de 1943 Lyle não foi escalado. Sua tripulação e o Ooold Soljer seriam liderados pelo 1º Tenente Keith O. Bartlett, um aviador que, desde a chegada na Inglaterra, havia participado de missões de combate junto com o então Capitão Lyle.

Keith era co-piloto de Lyle e havia sido elevado a piloto em 22 de março de 1943. Realizaria em 31 de março sua primeira missão como piloto e deveria levar o B-17 Ooold Soljer e sua tripulação até Rotterdam onde deveriam bombardear os estaleiros da cidade. Infelizmente o avião não chegaria a deixar a Inglaterra: o Ooold Soljer colidiu com outro avião enquanto entravam em formação.

Aqueles homens eram a elite da aviação americana no ano de 1943. Seu treinamento havia sido feito com o maior rigor possível: enquanto os primeiros grupos partiram para a Inglaterra em maio de 1942, os homens do 303º Grupo de Bombardeiro só obtiveram razoável desempenho no segundo semestre de 1942. Ainda nos EUA, os pilotos e as tripulações eram submetidos a toda a sorte de treinos. Não apenas era escasso o número de aviões para treinamento como também o número de homens treinados. Originalmente, partiram dos EUA com Lyle 1º Ten. Keith O. Bartlett (KIA), Capitão Paul G. Moore, 2 º Ten. Anton H. Haas, os Sargentos Gene K. Smith (KIA), Edward R. Bradford (KIA), Woodrow W. Smith (KIA), Clayton S. Balcombe (INJ/B/O) e Robert A. Sangster (KIA).[3] Ao final da guerra, dos 9 homens da tripulação original, apenas quatro a terminaram vivos.

Ainda em 1942, no mês de dezembro o Ooold Soljer e parte de sua tripulação, incluindo o agora Capitão Lyle, transportam o staff do general Eaker até a conferência de Casablanca, na África. Lyle nesta época se destaca pela liderança e pela pericia como piloto. Ao final de 1942 Lyle é promovido a Oficial Comandante do seu esquadrão, o 360º.

Naquela manhã do dia 31 de março de 1943 os aviões iniciaram a decolagem às 9h35min. A formação de nuvens era cerrada e não propiciava uma visão completa do céu. Por volta das 10h26min aproxima-se da base um B-17 pilotado pelo Capt. Shayler informando que perdeu o contato com a formação de aviões por conta da alta densidade de nuvens. O mesmo capitão reportou também uma colisão de dois B-17 no ar. Mais tarde estes aviões foram identificados como o B-17 Ooold Soljer e o B-17 Two Beauts. Os dois aviões colidiram próximos a localidade de Wellingboro. A colisão arrancou a asa direita do Ooold Soljer e lançou a sorte do Two Beauts que realizava sua quarta missão de combate. Dos 10 membros da tripulação do Ooold Soljer apenas dois conseguiram pular do avião antes que ele colidisse com o chão.[4] Os outros tripulantes morreram. Do outro avião, o Two BEAUTS, três homens saltaram. Esta foi a primeira colisão no ar da 8ª Força Aérea Americana; mas não seria a última.

Mesmo não voando aquela missão Lyle sofreu um duro golpe: cinco membros que morreram no acidente haviam voado desde a primeira missão com Lyle, incluindo o próprio piloto Ten. Barlett. Os dois membros que conseguiram saltar do avião foram o sargento Tom McGiffin e o sargento Clayton Balcombe que sofreu sérios ferimentos. Devido ao seu estado de nervos o Sgt. McGiffin foi retirado de ação após realização de missão subseqüente, em 4 de abril de 1943, três dias após saltar do Ooold Soljer em pedaços. O Sgt. Balcombe retornou ao trabalho após se recuperar de seus ferimentos em 6 de junho de 1944. Realizou ainda 12 missões de combate completando um tour de 30 missões em 23 de junho de 1944.

Lewis Lyle, agora sem tripulação, foi promovido a Major. Passou o resto da guerra assumindo posições de grande responsabilidade e voou muitas missões como piloto de outras tripulações. Recebeu a Cruz de Serviços Distintos da Aviação em 1943 e quando não estava em vôo liderando as missões de combate, Lyle estava treinando os homens de seu esquadrão para que pudessem realizar suas missões com o menor número possível de erros.[5]

O B-17 Ooold Soljer foi um dos tantos aviões perdidos em situação lamentável durante a II Guerra Mundial. Em uma época de poucos progressos técnicos em comparação com os dias atuais em relação à aeronáutica, os homens que voaram estes aviões durante a guerra foram verdadeiros heróis. A maior parte deles jamais haviam entrado em um avião e grande parte eram homens vindos da zona rural americana. Em poucos meses transformaram-se em aviadores conscientes de seu papel e de sua especificidade: a cada dia reduziam a duração da guerra e a distância de retorno ao lar.

Em 31 de março de 1996 foi erigido em Mears Ashby, na Inglaterra, um memorial aos tripulantes do Ooold Soljer mortos na colisão e aos tripulantes do B-17 Two Beauts. A placa relembra os tripulantes e assinala provavelmente como tenha ocorrido o choque entre os dois aviões. Os aviadores mortos estão enterrados no cemitério americano de Cambridge, na Inglaterra. Lewis Lyle como general reformado visitou os túmulos de seus colegas em junho de 2000. Lewis Lyle faleceu em 6 de abril de 2008 com 92 anos.

Memorial erguido em Mears Ashby




[1] http://www.303rdbg.com/missionreports/026.pdf
[2] O’NEILL, Brian D. 303rd Bombardment Group. Osprey, 2003. p. 13
[3] http://www.303rdbg.com/c-360-lyle.html A sigla KIA determina, em inglês, Killed in Action, isto é, morto em ação. A sigla INJ significa Injuried, isto é, ferido e a sigla B/O significa Bailed out, isto é, o aviador saltou de seu avião.
[4] http://www.303rdbg.com/missionreports/027.pdf
[5] O’NEILL, Brian D. 303rd Bombardment Group. Osprey, 2003. p. 37

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

A Luftwaffe e a ofensiva no Leste: enfrentando o Tupolev SB-02

Os melhores pilotos e as melhores tripulações foram escolhidas para essa missão: atacar aeródromos russos como parte dos preparativos para a operação Barbarossa, a invasão da Rússia pela Alemanha. Não eram muitos; seu efetivo não ultrapassava 20 aviões, de modo que cada grupo de três bombardeiros deveria lançar suas bombas sobre um aeródromo.[1] A tática era muito mais dispersiva do que efetiva de fato. Baseava-se na idéia de causar confusão as linhas russas, sobretudo na Força Aérea Vermelha do que efetivamente destruir seus aeródromos. Mas ao longo do dia 22 de junho de 1941 o principal objetivo da Luftwaffe era manter a superioridade aérea, a custa da destruição em massa dos aviões russos ainda no chão.

A missão partiu na noite do dia 21. Deveria atacar os aeródromos por volta das 3:15 da madrugada do dia 22, minutos antes que a barragem de artilharia rompesse as linhas da fronteira, e causar o máximo de confusão possível. A idéia era imobilizar parte da Força Aérea Vermelha dos aeródromos próximos a área da invasão, de modo que, pouco antes do amanhecer quando os bombardeiros e caças chegassem ao território russo encontrassem a menor resistência possível numa situação de ataque.

A invasão da Rússia havia sido discutida pela Luftwaffe cerca de um ano antes, quando o Alto Comando das forças armadas alemã havia encaminhado o pedido de planejamento das operações da Luftwaffe em caso de invasão a Rússia. Na época a Luftwaffe tinha consciência dos problemas enfrentados pela Rússia. Sua força aérea era problemática: possuía aviões obsoletos, assim como a Alemanha carecia de bombardeiros pesados e não possuía um sistema de radar ou alarme adequado às necessidades de um conflito.[2] Além disso, muitos veteranos experientes da Guerra Civil espanhola haviam sido afastados do serviço quando dos expurgos de Stalin, em 1938. Seus números eram impressionantes: calcula-se que as vésperas da invasão possuía cerca de 8 mil aviões de vários tipos, muitos dos quais obsoletos ou parados.

A invasão terrestre seria iniciada em três fronts com objetivos distintos: o Grupo Norte, comandado pelo Marechal de Campo Ritter Von Leeb deveria rumar até Leningrado; o Grupo do Centro comandado pelo Marechal de Campo Fedor Von Bock que deveria cortar a Rússia a fim de chegar a Moscou; e o grupo sul comandado pelo marechal de Campo Gerd von Rundstedt que deveria entrar pela fronteira da Ucrânia, tendo como meta Kiev.

A força atacante, resultado da soma dos três grupos de Exércitos, era fenomenal: 3 milhões de soldados alemães, 3.580 tanques, 7.184 canhões e quase 2 mil aviões, numa linha de ataque que se movia por 1.600km, do Báltico até o Mar Negro.[3] A Luftwaffe apoiaria cada grupo de Exército com uma frota aérea. As três frotas contavam com aparelhos de todos os tipos e guarneceriam a imensa linha de frente da invasão, desde o Cabo Norte até o Mar negro: a quarta Frota Aérea era comandada pelo general Alexander Lohr e guarnecia o grupo Sul; a segunda por Albert Kesselring guarnecendo o grupo do Centro; e a primeira comandada pelo general Alfred Keller guarnecendo o Grupo Norte.

Com as luzes da alvorada veio o ataque certeiro: os caças bombardeiros da Luftawaffe atacariam os aeródromos mais próximos enquanto os bombardeiros realizariam incursões mais profundas ao território russo. De acordo com o depoimento de um oficial alemão “as pistas estavam cheias de filas de aviões de reconhecimento, de caça, de bombardeamento, como que preparados para uma revista”.[4] De fato, o comando russo prevendo a invasão havia ordenado que, a partir da manhã do dia 22 de junho, deveria se iniciar uma operação de camuflagem e dispersão dos aviões nos aeródromos próximos a fronteira. Mas o aviso chegou tarde demais e os aviões estavam sendo destruídos no solo.

Entre estes aviões, destaca-se o bombardeiro da imagem que ilustra este ensaio. Sendo vistoriado por um soldado alemão, vê-se um bombardeiro russo Tupolev SB-02 com motores M-103. Possivelmente a foto tenha sido tirada em um aeródromo tomado pelas forças de invasão naqueles dias finais de junho de 1941.

O Tupolev era um bombardeiro médio bimotor construído pela URSS a partir de 1934. Foi utilizado com sucesso na Guerra Civil espanhola ao lado das forças republicanas onde provou o seu valor comparado aos caças das forças nacionalistas. O Tupolev SB era rápido, forte e atingia uma boa altitude. Ao término da guerra, muitas unidades foram transferidas para a China e para a Checoslováquia. Durante a ofensiva russa sobre a Finlândia entre 1939 e 1940 o Tupolev já dava sinais de desgaste: sua velocidade já não era tão alta e o avião passou por reestruturações, normalmente a substituição dos motores antigos para motores mais eficientes. No entanto, já era uma aeronave obsoleta. Outras modificações foram efetuadas e o modelo SB já possuía diversas variações por volta de 1941, quando da invasão alemã à Rússia.

A maratona da Luftwaffe durante o dia 22 foi extremamente cansativa. Os aviões que retornavam aos seus postos eram imediatamente rearmados e mandados de volta para a batalha. Por volta do meio dia a batalha pela supremacia do ar ganhou novos personagens: levas de caças russos biplanos e de bombardeiros, como o Tupolev, avançavam do horizonte em direção aos aeródromos alemães. Possivelmente estes aviões vinham de áreas de pouso do interior que não foram alcançadas pelas incursões matinais da Luftwaffe.

Mesmo assim os números assustavam: os relatórios preliminares da Luftwaffe estimavam em mais de 1.800 aviões russos destruídos apenas no primeiro dia de batalha. Cerca de 2/3 deste numero era de aviões destruídos em solo. A Rússia, por sua vez, assumiu que no primeiro dia de baralha teve 1.200 aviões destruídos caracterizando a participação da Luftwaffe como “uma influência decisiva no triunfo das forças terrestres alemãs” [5]. O mesmo texto informa que 66 aeródromos russos próximos à zona fronteiriça foram destruídos nas incursões do dia 22 de junho.

Apesar de ter infligindo importantes danos a Força Aérea Vermelha em termos operacionais, as perdas foram pequenas em relação ao fator humano. Tripulações e pilotos treinados foram resguardados, de forma que, a curto prazo, os danos dos primeiros dias de batalha foram superados. Além disso, a falta por parte da Luftwaffe de aviões bombardeiros de longo alcance impossibilitava o ataque das fábricas de aviões russas que se situavam além dos montes Urais. Naquele primeiro dia de batalha os alemães tiveram 78 aviões destruídos. Este número causou surpresa, pois superou as perdas de aviões perdidos em 15 de setembro de 1940, durante a batalha da Inglaterra, no pior dos dias da Luftwaffe até então.

Mesmo assim a campanha seria favorável a Luftwaffe até aproximadamente outubro de 1941. Nos dias subseqüentes a invasão os aviões trataram de dar apoio ao avanço das colunas blindadas e da infantaria nos diversos setores da invasão. Devido à extensão da linha – mais de 1.600km – havia dificuldade em se manter s superioridade aérea em todos os setores. Foi a partir de outubro de 1941 que os problemas da Luftwaffe tornaram-se mais graves: com perdas de aproximadamente 1.600 aviões, alguns modelos estavam encontrando dificuldades de reposição rápida – como o Ju-88 e o He-111 e as perdas em tripulações e pilotos eram sérias e não havia reposição efetiva.[6] Com esses problemas, a Luftwaffe entraria o inverno de 1941 com maus presságios não só para seus homens e sua campanha, como também aos exércitos em terra que já enfrentavam os problemas advindos do inverno russo.




[1] BEKKER, Cajus. A História da Luftwaffe. Bruguera: 1971.p. 449
[2] KILLEN, John. A História da Luftwaffe. Record: Rio de Janeiro, 1976. p. 167
[3] WILMOTT, H.P. CROSS, Robin. WORLD WAR II. DK publishing, 2004. p. 98.
[4] BEKKER, op. Cit. p. 453
[5] IBID, p. 460
[6] PRICE, Alfred. Luftwaffe. A arma aérea Alemã. Rennes: Rio de Janeiro, 1974. p. 79

sábado, 3 de janeiro de 2009

Capitão William H. Wheeler: Experiência como prisioneiro de Guerra.

AVISO AO LEITOR: A experiência aqui narrada foi baseada nos escritos do capitão William H. Wheeler publicados em 2002 nos Estados Unidos. Wheeler foi considerado perdido em ação (Missing in Action) em 17 de agosto de 1943, no primeiro raid sobre Schweinfurt. A história da queda de seu avião foi contada em dois artigos já publicados:


PARTE 1: http://memoriasdofront.blogspot.com/2008_02_01_archive.html



PARTE 2: http://memoriasdofront.blogspot.com/2008_03_01_archive.html



Para melhor compreensão, sugere-se a leitura destes artigos.


O tenente Wheeler foi o último a abandonar o avião em chamas. Seu B-17 havia sido atingido por caças alemães e tinha dois motores pegando fogo. A parte mais difícil foi quando Wheeler teve de vestir seu pára-quedas: o assento do piloto não comportava o pára-quedas e este ficava embaixo do banco. Antes de saltar o co-piloto, tenente Bianchi, alcançou-lhe o pára-quedas. Com uma mão Wheeler segurava o pára-quedas e com a outra o manche do pesado B-17 que ardia em chamas e perdia altitude rapidamente. A decisão era difícil: no momento em que soltasse o manche o avião perderia completamente o prumo; por outro lado, Wheeler temia que a qualquer momento ele pudesse explodir e levar tudo pelos ares.

Em suas memórias Wheeler não se recorda muito bem como saiu do avião. Lembra-se das chamas e da fumaça e da sensação de solidão ao pular da fortaleza em chamas. Sem saber de que altura havia pulado, Wheeler esperou alguns segundos antes de puxar a corda do pára-quedas. Ao puxá-la e ser abruptamente puxado para cima, ele pode contemplar uma visão magnífica do interior da Alemanha. Percebeu então que estava alto demais: enxergava o rio Reno, sinuoso, dominando toda a paisagem. Pode também enxergar focos de fogo no chão e lembrou-se das outras fortalezas voadoras que haviam caído naquele mesmo dia.

Repentinamente enxergou um Messerschmitt vindo em sua direção. Wheeler não pode pensar em outra coisa se não na possibilidade de ser alvejado. O caça alemão contornou seu pára-quedas e ele pode ver um gesto que o piloto fazia com o braço. Possivelmente saudava Wheeler. Afastou-se.

O pára-quedas continuou a descer e Wheeler acabou no pátio de uma casa. Enquanto caía não deixava de pensar nos planos de fuga para retornar a Inglaterra. Não houve piloto ou tripulação de bombardeiro que, durante a II Guerra Mundial, jamais pensou na fuga e no retorno ao lar. Cada homem carregava um pequeno kit de sobrevivência, com mapas detalhados da Europa ocupada e uma bússola.

Logo que desceu dois homens velhos com uniformes da Volkssturm e rifles da I Guerra foram ao seu encontro. Suas esperanças de fuga findaram ali. Em poucos minutos uma multidão de civis se amontoava ao redor de Wheeler gritando coisas que ele não podia entender. Alguém, se dirigindo a ele em inglês perguntava porque os americanos bombardeavam a Alemanha. Obviamente as pessoas tinham raiva e Wheeler se lembrou de histórias de homens que eram mortos pelos civis. Havia pensado, especificamente, em um caso de pilotos da RAF que haviam sido enforcados em Colônia.

Um carro apareceu e homens com uniformes da Luftwaffe colocaram Wheeler dentro dele. E o prenderam na prisão da pequena vila. Já no dia seguinte o encaminharam a uma estação de trem. Lá, cercado por guardas, Wheeler encontrou cinco homens de sua tripulação: Denver Woodward, Joe Newberry, Lloyd Thomas, Jim McGovern e Ray Gillet.

A sensação de bem estar em tê-los encontrado é indescritível; serviu para amainar a culpa que sentia por ter deixado o B-17 em chamas chocar-se no chão. Ele sabia que estava na Alemanha, mas não tinha idéia de onde. E nada melhor do que perguntar ao navegador, Joe Newberry, onde estavam. Ele respondeu que, antes de serem atingidos, estavam a alguns quilômetros noroeste de Frankfurt. Mas ele não sabia, ao certo, a distancia que haviam percorrido com o avião em chamas e onde haviam caído. A única referencia era o rio Reno que haviam visto.

O trem chegou algumas horas depois à sua parada final. Era o Dulag Luft, o campo de triagem de prisioneiros da Luftwaffe. Durante a II Guerra Mundial os alemães tiveram uma infinidade de campos de prisioneiros espalhados pelo seu território. Estes campos eram divididos da seguinte forma: prisioneiros de infantaria e afins estavam a cargo da Wehrmacht e tinham campos próprios. Os aviadores estavam ao cargo da Luftwaffe, cujos campos eram melhores que os da Wehrmacht. Os campos da Luftwaffe normalmente tinham uma gama de oficiais muito maior, porque os aviadores tinham diferentes postos. Estes campos, normalmente, eram divididos pelas nações que os compunham, dada à quantidade de soldados de outras nacionalidades lutando contra os alemães.

Na triagem, os homens eram identificados e uma ficha era preenchida. Parte das informações era enviada a Cruz Vermelha Internacional que as reenviava aos comandos na Inglaterra. Era assim que as famílias sabiam o paradeiro de seus filhos amados. O processo demorava angustiosas três ou quatro semanas, dependendo de uma infinidade de variáveis. Cada um daqueles homens sabia que estava vivo e preso; mas enquanto estivessem no Dulag Luft não poderiam escrever para casa. A sensação de abandono e desolação era imensa. E uma idéia pairava na cabeça de todos os homens: fugir dali e retornar, o quanto antes, a Inglaterra.

Wheeler permaneceu muitos dias no Dulag Luft, alguns deles em isolamento completo. Foi no isolamento que Wheeler percebeu muitas coisas de sua vida. Ele escreveu em suas memórias que “os meses que haviam passado foram os melhores de minha vida. Eu gostaria apenas de estar na Inglaterra e continuar voando até o fim da guerra. Eu finalmente percebi que era um piloto e estava lutando contra a Alemanha de Hitler. Eu gostaria de ter toda a glória e a responsabilidade de ser um comandante. Minha vida, eu senti, havia sido um desperdício de tempo até que eu recebi a ordem de ir a escola de aviação”.[1]

No inicio de outubro ele e mais 120 americanos foram transferidos para ao Stalag Luft III, um dos mais famosos campos de prisioneiros da II Guerra Mundial. Foi lá que a história imortalizada pelo filme “fugindo do inferno” aconteceu. Alguns prisioneiros da RAF estavam lá desde novembro de 1939. O aviador americano mais antigo do campo estava ali desde maço de 1942.[2] O campo era organizado como um ente militar: havia os diversos comitês responsáveis pela educação, entretenimento e cozinha. Cada barracão, com cerca de 120 homens possuía um staff que estava subordinado a autoridade maior do campo. Esta era a única forma de tornar as coisas mais fáceis para todos ali. A tediosa rotina do dia-a-dia tornava os homens depressivos, agressivos e individualistas. Havia também o comitê de fuga que era responsável pelos planos de abandono do campo, em geral, relacionados a construção de túneis que davam alguns metros fora das cercas de arame farpado do campo. Cada prisioneiro poderia mandar, através da Cruz Vermelha Internacional, duas cartas e quatro postais por mês.

A primeira carta que Wheeler recebeu foi de seu affair em Londres, uma mulher chamada Mary. Ela chegou dez semanas após a sua queda. Mary mandou-lhe suas insígnias de Capitão, pois Wheeler seria promovido após a missão de Schweinfurt e mais: prometeu que lhe esperaria até o final da guerra. Esta foi uma das promessas que ajudou Wheeler a permanecer vivo durante 21 meses entre arames-farpados e marchas forçadas. Mary, ao final da guerra, se casaria com Wheeler.

Em março de 1944 Wheeler presencia a grande escapada de prisioneiros britânicos já aqui referida. Poucos conseguiram voltar a Inglaterra e pelo menos cinqüenta prisioneiros que foram recapturados foram mortos pelos alemães. A partir daquele momento o comitê americano de fuga, o qual Wheeler fazia parte, foi desencorajado e cessou suas atividades. A ordem emitida pelo alto comando alemão era de matar qualquer prisioneiro que fugisse.

O tempo passava e as noticias chegavam. Houve a grande invasão aliada na França e, através de rádios piratas, os prisioneiros ouviam as noticias direto da BBC. A gama de informações era tão grande que, às vezes, era difícil saber em quem acreditar: se na propaganda britânica ou na propaganda alemã. Com a intensificação do conflito era possível agora ver, vez por outra, nuvens de fortalezas voadoras e liberators nos céus de outono da Alemanha. Wheeler viu pela primeira vez um Me 262: O jato cortava o céus em uma velocidade impressionante. Ele não deixou de perceber a diferença de velocidade entre o Me-109 ou o FW. “Eu orei para que o esforço dos alemães em produzir estes aviões em grandes quantidades fosse em vão. A possibilidade de que Hitler poderia produzir novas e perigosas armas que prolongassem a guerra era devastadora para o moral”.[3]

O avanço aliado pela França e, posteriormente, pela Alemanha levou os alemães a evacuarem os campos de prisioneiros. Antes do Natal de 1944 começou a circular entre os prisioneiros a noticia da evacuação. Mas ela só veio a ocorrer no final de janeiro de 1945. Dali, até o fim da guerra, os prisioneiros marchariam mais de 300 quilômetros Alemanha adentro. Alguns dias depois da partida, parte dos prisioneiros do Stalag Luft III foram recolocados em um campo próximo a Nuremberg. A situação estava tão ruim que a Alemanha já estava com dificuldades em suprir a alimentação dos prisioneiros.

Neste campo próximo a Nuremberg Wheeler e seus companheiros presenciaram a situação mais horripilante de toda a sua vida: um bombardeio muito próximo ao campo durante a noite, efetuado pela RAF. O barulho das bombas era ensurdecedor. Muitos homens foram feridos com os estilhaços que voavam a muitos quilômetros por hora. Wheeler escreveu que “foi, inquestionavelmente, a pior experiência pela qual passei. Mas não pude deixar de pensar que nos estávamos ali recebendo todo o terror inglório que nós mesmos, a pouco tempo, infligíamos ao povo alemão. Sob estas circunstancias era difícil acreditar que poderíamos ser tão indiferentes em relação ao sofrimento que estávamos causando”. [4]

Na manhã seguinte foi a vez das fortalezas voadoras da 8ª Força Aérea americana passarem por sobre o campo. Mas não lançaram suas bombas tão próximo dali. Em Nuremberg as rações da Cruz Vermelha só chegaram ao inicio de março. A alimentação até então consistia de água suja e pão preto, em pequenas parcelas. O inicio do mês de abril trouxe consigo nova evacuação. Desta vez iriam para as proximidades de Munique, cerca de 250 quilômetros ao sul de Nuremberg. A expectativa era de que os prisioneiros caminhassem cerca de 30 quilômetros por dia. Por volta de meados de abril os prisioneiros chegaram a um campo, próximo a Munique, designado como Stalag VII. A penúria e a pobreza eram enormes. A comida era bastante escassa e todos tinham estômagos doentes e muita fraqueza. Mas já se ouviam as noticias de libertação. A cada dia que passava o troar dos canhões aliados era ouvido mais e mais perto. Os prisioneiros sabiam que, em breve, todo o terror e o tédio de uma vida de clausura terminaria.

Em 28 de abril um caça P-51 sobrevoa o campo e metralha as torres de guarda. Apavorados, os guardas alemães remanescentes abandonam o campo. A batalha já estava bastante próxima: era possível enxergar no horizonte a silhueta dos tanques americanos e, em poucas horas, a libertação era uma realidade. A cerca do campo foi derrubada e, entre os primeiros veículos a entrar, um jeep com quatro estrelas se dirige até o barracão central do campo. Desce ninguém menos que o General Patton, com seu uniforme imaculadamente bem cortado, suas botas polidas e suas pistolas com cabo de madre-pérola. Os prisioneiros – de agora em diante não mais – ovacionaram a chegada deste oficial.

Patton sobe em cima do capo do jipe e pede silencio. E diz: “Penso que vocês estão felizes em me ver. Eu gostaria de ficar um pouco com vocês, mas tenho um encontro com uma garota em Munique. São quarenta quilômetros estrada a baixo e teremos que lutar cada centímetro por ela. Eu gostaria de agradecer a todos vocês, aviadores, por me ajudarem a chutar a bunda destes alemães. E eu prometo a vocês que nos próximos dias estarão no caminho para casa. Que Deus os abençoe e obrigado novamente”. [5]

No dia seguinte, 29 de abril de 1945, aviões C-47 da Força Aérea Americana iniciaram a evacuação dos prisioneiros. Wheeler, como oficial do Staff do campo, foi um dos últimos a abandonar a Alemanha. Ao retornar a Inglaterra reencontrou-se com velhos amigos e o seu antigo affair: Mary não o havia esperado literalmente, mas após uma longa conversa, casaram-se e, algumas semanas depois, Wheeler voltou aos Estados Unidos. Abaixo, a capa do livro de memórias escrito por Wheeler.



[1] WHEELER, William H. Shootdown – A WWII bomber pilot’s experience as a prisoner of War in Germany. Burd Street Press: Pennsylvania, 2002. p. 23
[2] WHEELER, p. 54
[3] Ibid, p. 113
[4] WHEELER, p. 144
[5] Ibid, p. 166