Antes de João, um grupo de 5 mil homens já havia partido em julho de 44. Estes já haviam participado de seu batismo de fogo quando João deixou a baía de Guanabara: comandado pelo Gen. Zenóbio da Costa em 16 de setembro tropas brasileiras tomam as localidades de Massarosa, Borrano e Quieza, que se achavam em poder dos alemães.
Mas o engajamento de João começou muito antes, provavelmente pouco depois do final de agosto de 1942 quando o Brasil declara guerra ao Eixo – Itália, Japão e Alemanha – por ordem do presidente Getúlio Vargas. A decisão foi conseqüência de uma série de atentados a embarcações de bandeira brasileira tanto na costa de nosso país como no Atlântico, perpetrados pela Kriegsmarine – a marinha de guerra alemã – através de submarinos. Estes atentados se iniciam em fevereiro de 1942, poucos dias após o Brasil declarar o corte de relações diplomáticas com os países do Eixo.
Este episódio tem uma ligação muito estreita com outro, que ocorre em dezembro de 1941: o ataque japonês a Pearl Harbor e a declaração de guerra dos EUA ao Japão e por conseqüência à Alemanha. Os EUA desde o início da guerra tinham a consciência da necessidade de se assegurar a segurança das Américas a fim de se garantir a segurança de seu próprio território. O pensamento estratégico era muito simples: as Américas eram consideradas áreas de influencia cultural e comercial estadunidense, além de oferecerem pontos estratégicos de defesa ao hemisfério norte, como foi o caso do Nordeste brasileiro.
Assim, após conferência entre os líderes dos países americanos realizada no Rio de Janeiro, decide-se pelo corte de relações com o Eixo. E é assim que a guerra chega ao quintal do Brasil: iniciando-se em fevereiro e sem previsão de término, os submarinos alemães, estacionados na costa da França, afundam navios mercantes brasileiros. A gota d’água se dá em agosto de 42, quando navios com passageiros civis são afundados, causando grande revolta na população brasileira.
João Avelino dos Santos, jovem brasileiro, assiste a tudo através dos rádios e jornais. E sem imaginar que pudesse pisar o solo italiano ao brado dos gritos corajosos de seu sargento sob fogo da poderosa Lurdinha, é chamado a servir ao seu país.
E a guerra ardia em ambos os teatros de operações. Em setembro de 1944 os aliados já haviam libertado Paris e logo o Terceiro Exército Americano de Patton deteria seu avanço devido a falta de suprimentos. No dia em que o soldado João deixa o porto do Rio de Janeiro em direção à Nápoles, as forças aliadas estão tentando desesperadamente salvar do fracasso o plano de invasão aerotransportada da Holanda. Os alemães emitiam um aviso: não está derrotado quem ainda guerreia.
Na Itália, a situação era similar: entrincheirados nos vales do montanhoso território da península, os alemães infringiam pesadas baixas ao Exército Americano. Ao tardar da guerra, as baixas em solo italiano eram proporcionalmente maiores do que no território francês. A pressão imposta pela Wehrmacht foi tanta, que o Exército Americano tratou de montar e treinar uma divisão especializada em combate de montanha para enfrentar o desafio de furar o bloqueio alemão.
João e seus companheiros desembarcaram dia 6 de outubro no porto de Nápoles. Da primeira impressão provavelmente nunca se esqueceram. A ela, adicionariam tantas outras pavorosas e alegres, imagens que a guerra traz e que ninguém nunca viu a não ser na própria guerra. Nápoles não era mais uma frondosa e bela cidade italiana. O porto estava abarrotado, quase que entupido de tantos destroços de navios e aviões de guerra. Toneladas de aço retorcido se encontravam sob e sobre a superfície da água, tornando tortuosa a delicada operação de se atracar um grande navio.
A cidade era só escombros que foram cuidadosamente criados por meses de intensos bombardeios, ataques aéreos e invasões de tropas estrangeiras; ora inimigos, ora aliados. A sensação não podia ser mais desoladora: centenas de pessoas cruzavam as ruas, roupas em farrapos, a procura de comida ou qualquer item que lhes ajudasse a sobreviver em um território dominado pelo Deus da guerra. A pobreza foi algo que chocou até os mais pobres soldados brasileiros.[1]
Dali, o grupo é levado a campos de reunião e treinamento. E lá ficarão por quase dois meses a espera de treinamento e material. A situação da FEB era de alguma forma delicada: sem material americano disponível no Brasil, todos os três regimentos tiveram que se adaptar ao chegarem na Itália, passando por cursos e instrução antes de entrar, definitivamente, em ação. A situação do 2º e 3º escalões, que chegaram à Itália em 6 de outubro, foi bastante delicada. Parte do grupo só entrou em ação em 21 de novembro, ao substituir um batalhão do 6º RI nas proximidades de Monte Castelo. Poucos dias depois, seriam atacados pelos alemães e estes brasileiros experimentariam, pela primeira vez, o gosto de sangue e pólvora.
Dali em diante, João guardaria na memória não só as cenas de combate, mas as terríveis sensações do inverno europeu. Aquele inverno, que foi um dos mais frios, como se o Deus da guerra interferisse no tempo e castigasse os infantes das nações em guerra. No sopé de Monte Castelo, os batalhões do 1º RI passariam o inverno cuidando e monitorando as ações alemãs, esperando para dar início ao ataque final, aquele que varreria a alma do Sampaio, já castigado por tantas investidas e baixas infrutíferas.
Medalha Sangue do Brasil - FEB
E depois de passar muitas noites sob o frio intenso e muitos dias sob o desolador céu de inverno e sob o calor da artilharia do tedesco, o grande ataque a cota 977 é marcado.
E João provavelmente participa deste combate, que entrará para os anais da história da campanha da FEB na Itália. Mas ele não parou por ai: o regimento Sampaio consolida sua presença nos Apeninos após a conquista de La Serra.
Em março de 45 João tira esta foto em alguma cidadezinha italiana no vale do rio Pó e a dedica a sua irmã Fontenelle. Seu semblante parece transmitir as agruras da guerra ao qual foi submetido. A pesada roupa nos faz pensar que, mesmo no inicio da primavera, o frio ainda assolava os brasileiros.[2]
O 1º Regimento ao qual o soldado João estava ligado ainda participa ativamente da campanha em março e abril, inclusive o ataque a cidade de Montese. A guerra começava a anunciar o seu final: o avanço começou a se fazer rápido por vilarejos e cidadezinhas já abandonadas pelos alemães. A libertação de Bolonha pelos americanos deu o tom de vitória aos brasileiros. Os alemães passaram a ser perseguidos e os campos de prisioneiros aumentavam dia-a-dia.
Mas a estada na Itália se prolongaria até agosto de 1945, quando o Sampaio embarca de volta para o Brasil. João desembarca em 22 de agosto no Rio de Janeiro, desfilando majestosamente pelas ruas da cidade e sendo recebido, quem sabe, por seus entes queridos.
[1] Depoimentos sobre Nápoles podem ser encontrados em diversos relatos de febianos. Entre eles, PISKE, Ferdinando. Anotações do Front Italiano e SOARES, Leonércio. Verdades e Vergonhas da Força Expedicionária Brasileira
[2] Foto do arquivo pessoal de Fernanda Nascimento. Imagem Inédita.