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Memórias do Front: 2010

O objetivo deste blog é resgatar, através de artigos, histórias de pessoas que se envolveram no maior conflito da História - A Segunda Guerra Mundial - e que permaneceram anônimas ao longo destes 63 anos. O passo inicial de todo artigo publicado é um item de minha coleção, sobretudo do acervo iconográfico, a qual mantenho em pesquisa e atualização. Os textos originados são inéditos bem como a pesquisa que empreendo sobre cada imagem para elucidar a participação destes indivíduos na Guerra.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Emil Petr: um Veterano da USAAF que mora em Natal-RN

Caros Leitores:

Lamento profundamente a falta de atualizações do blog Memórias do Front. Acredito que este ano que entra trará novas oportunidades de publicar textos inéditos e interessantes sobre a história da Segunda Grande Guerra.
O texto apresentado hoje é de autoria de Rostand Medeiros que entrou em contato comigo e pediu a divulgação de seu trabalho junto a um veterano que mora atualmente em Natal. Boa leitura e bom final de ano a todos!


No último o dia 13 de novembro, em meio ao dia de “Portões Abertos” do exercício militar CRUZEX 5, depois de 66 anos, Emil Anthony Petr o único veterano norte-americano da II Guerra Mundial vivendo no Rio Grande do Norte, estava novamente ao lado de uma aeronave de combate da Força Aérea dos Estados Unidos: um moderno caça F-16. Este veterano foi respeitosamente tratado pelos militares do seu país. Em janeiro de 1942, quando o jovem Emil buscou um local de alistamento para se engajar na luta contra os nazi-fascistas, este filho de simples agricultores, natural da pequena cidade de Deweese, Nebraska, tinha certeza de que “não queria lutar em trincheiras, mas no ar”.

Foi primeiramente designado para o 57º Grupo de Caça, na área de Boston. Quando estava para seguir com a sua unidade para o deserto do norte da África, ele conseguiu a aprovação para cursar a escola de formação de navegadores, em San Marco, no Texas. Em 1943, após conseguir a patente de segundo tenente, foi designado para atuar em bombardeiros B-24. Mas não era o fim de sua preparação. O tenente Petr seguiu para a base aérea de Langley, Virginia, onde se especializou na tarefa de bombardeio por radar.

Em abril de 1944 chegou a sua transferência para a 15ª Força Aérea, no sul da Itália, para atuar no esquadrão 139º, do 454º Grupo de Bombardeio, baseado no campo de San Giovanni, próximo a cidade de Cerignola.

Durante o trajeto para a Europa o tenente Emil esteve no Brasil, mas não em Natal. Seu trajeto passou pelas cidades de Belém e Fortaleza, onde guardou boas lembranças: “Não era para ter conhecido Natal na época da guerra, mas foi para cá que optei por viver e me casar”.
Os aviões B-24 que transportavam radar eram diferentes das outras aeronaves deste modelo. Era retirada a torre de metralhadora no formato de bola, que se encontrava na parte inferior do quadrimotor, para a colocação de um domo de radar. Devido à configuração deste radar, com as antenas em formato de “orelhas de rato”, estes B-24 eram conhecidos como “Radar Mickey”. Estes aviões especiais transportavam 11 pessoas, ao invés de 10, que era o número normal de tripulantes de uma B-24.

No 454º Grupo de Bombardeio havia uma seção específica de pessoas que trabalhavam com sistemas de radar. Quando Emil foi escolhido para uma missão de bombardeio, ele me disse que era extremamente focado em seu trabalho. Ele sabia que qualquer erro poderia comprometer todo o grupo de aeronaves e suas tripulações. De abril a setembro de 1944 o tenente Emil participou de 38 missões sobre a Europa ocupada. Em uma delas, atacaram a fábrica da Messerschmitt, em Bad Voslau, na Áustria. O bombardeamento desta estratégica unidade fabril rendeu ao 454º Grupo de Bombardeio uma citação de combate do presidente dos Estados Unidos.

Mas no dia 13 de setembro de 1944, quando na sua 39º missão, a de número 117 do 454º Grupo de Bombardeio, cujo objetivo era uma refinaria na cidade alemã de Odertal, seu B-24J foi atingido pela artilharia antiaérea. O comandante da nave, o capitão Allen Leroy Unger tentou retornar a Itália. Próximo a cidade de Modra, no atual território Eslovaco, Emil e seus 10 companheiros tiveram de saltar de pára-quedas.

Ninguém morreu, mas a maioria foi capturada. Todos foram levados para o campo de prisioneiros Stag Luft III, em Sagan (atual Zagan, na Polônia) e o sofrimento foi grande. Depois de quatro meses como prisioneiro de guerra neste campo, as tropas russas estavam avançando a partir do leste e começaram a se aproximar do campo. Segundo os livros relativos à Segunda Guerra Mundial Adolf Hitler mandou evacuar Stalag Luft III, pois além de não querer que estes 11.000 aviadores aliados fossem libertados pelos russos, havia a intenção de utilizá-los como reféns.


A saída do campo se deu entre 27 e 28 de janeiro de 1945. Emil lembra que era uma noite muito fria quando os alemães lhe ordenaram a pegar o que pudesse para marchar para outro campo. A caminhada foi realmente terrível, pois estes prisioneiros já estavam bem debilitados e havia muita neve e frio. Seguiram para um lugar chamado Spremberg, em quase 100 quilômetros de marcha forçada. Em 31 de Janeiro os homens seguiram para o Stalag Luft VIIA, em Moosburg. Durante dois dias de viagem, os aviadores foram levados em vagões de transportar gado. Moosburg era uma verdadeira pocilga, onde os alemães amontoaram mais de 140.000 prisioneiros aliados, entre estes alguns brasileiros. Finalmente os prisioneiros foram libertados pelos soldados da 14ª Divisão Blindada, do 3º Exército do Exército Americano, comandados pelo general George Patton.


Para o veterano residente em Natal, a lição mais importante da guerra foi a “Falta de justificativas para a violência”, que no seu entendimento ainda não foi aprendida pela humanidade. Depois de retornar aos Estados Unidos, Emil tentou a universidade de Lincoln, sem sucesso e foi trabalhar em uma empresa de construção da família. Mas este americano de origem eslava, de profunda devoção católica, decidiu trabalhar como um voluntário em obras assistenciais na America Latina, através de um programa criado pelo Papa João XVIII.


O destino o trouxe a natal em 1963, onde conheceu Dom Eugenio de Araújo Sales (na época Bispo de Natal) e se incorporou no programa SAR – Serviço de Assistência Rural. Emil teve oportunidade de conhecer o sertão potiguar, os aspectos ligados aos trabalhadores rurais nordestinos e veio a ser casar com a assistente social Célia Vale Xavier da cidade de Caicó. Chegaram a adotar a jovem Maria Isabel, mas a mesma faleceu de uma rara doença em 1984.
Nos últimos anos surgiu no veterano a vontade de contar sua história, principalmente depois do falecimento de sua esposa. O autor deste artigo havia sido um dos realizadores do livro “Os cavaleiros dos céus – A saga do vôo de Ferrarin e Del Prete”, que narra a história da primeira travessia sem escalas entre a Europa e America do Sul, realizada pelos pilotos italianos Arturo Ferrarin e Carlo Del Prete, em 1928. Emil, um grande leitor sobre aviação, gostou do livro e me convidou para escrever sua biografia.
Desde o primeiro semestre de 2010 iniciamos a fase de entrevistas, daí seguimos para fazer contato com pessoas e entidades nos Estados Unidos e na Eslováquia. Depois partimos para a análise de suas cartas e de sua esposa, Célia Vale Petr. Outras fontes são seus apontamentos compilados em um diário, muitas fotos, além do livro da sua formatura como oficial navegador, o livro oficial do seu esquadrão (publicado em 1946) e outras fontes.

O lançamento está previsto para abril de 2011.

Rostand Medeiros – Pesquisador


quarta-feira, 13 de outubro de 2010

U boats - Mergulhando na História

Caros leitores,

Gostaria de divulgar aqui a iniciativa de um colega querido.
O 2o tenente R/1 Nestor Antunes de Magalhães está lançando seu primeiro livro.
Ele fez diversos mergulhos em u boats naufragados pelo mundo e o resultado de suas aventuras transformou-se em livro!


Abaixo, um pequeno trecho do prefácio:

Estas aventuras, realizadas nas mais difíceis condições técnicas e financeiras inclusive, dá ainda mais valor ao excelente trabalho realizado pelo autor, que por não ter apoio oficial em suas viagens, investe seu tempo e dinheiro em trazer à tona, literalmente, para seus leitores, todas as emoções de se mergulhar em uma das mais temidas e eficazes máquinas de guerra que a Humanidade já viu em ação: os famosos “Lobos Cinzentos”, como eram conhecidos os submarinos alemães da Segunda Guerra.

As sagas submarinas do autor e suas visitas aos mais importantes museus militares do mundo, ilustram bem o grande interesse que há pelos submarinos alemães, passados mais de 64 anos do fim da II guerra Mundial.

De todas as armas desta guerra, os “U-Boats” (uma abreviatura do termo Unterseeboote ,que significa barco que navega sob a água em alemão), foram a maior preocupação das forças Aliadas durante os quase 6 anos de duração do conflito, sendo que o próprio Primeiro Ministro inglês na época, Sir Winston Churchill, declarou que a Inglaterra por pouco não capitulou frente à Alemanha por causa da atuação de seus submarinos.

O Nestor lançou um BLOG para divulgar o livro e dar informações sobre a venda. O endereço é

http://cavaleirodasprofundezas.blogspot.com/


Vale a pena dar uma passada por lá e conferir o trabalho do Nestor! O livro já pode ser encomendado antecipadamente também. O meu já esta garantido!

domingo, 21 de março de 2010

Tenente Hugo Alves Correa: um comandante de Pelotão na FEB.

“No dia 28 de abril de 1945 durante a posse de Caiamo, foi o seu pelotão que mais se aproximou daquela localidade e graças aos preciosos fogos de suas armas automáticas, puderam outros nossos elementos conquistar a referida localidade. O tenente Hugo é um oficial jovem, bravo e tem revelado grande ardor combativo”.[1]


Os homens corriam enquanto a Artilharia bombardeava o alto do morro. Se houvesse um observador naquelas encostas naquela manhã certamente ele conseguiria ouvir, mesmo com o ensurdecedor barulho do bombardeio, a respiração ofegante de homens que subiam metro por metro a íngreme encosta da cota 722. Era necessário ser rápido e preciso: aquele era um objetivo a cumprir dentro de um plano maior que previa a eliminação dos alemães nos apeninos italianos. O aspirante Hugo Correa liderava o pelotão que avançava metro por metro carregando seu pesado equipamento. Por ultimo seguia o sargento Andirás Nogueira, guiando os retardatários do pelotão e cuidando da retaguarda. Era uma manhã do dia 5 de março de 1945 e esta foi a missão confiada ao aspirante Hugo Alves Correa naquele dia. Esta é a história de um militar que participou ativamente dos combates em que a Força Expedicionária Brasileira se envolveu entre 1944 e 1945 na II Guerra Mundial.


Em uma manhã de 4 de novembro de 1944, a turma de aspirantes a oficial de 1941 da Escola Militar do Realengo reunia-se no pátio da escola para a sua formatura. Aqueles vários cadetes foram considerados aptos a seguir com a carreira militar e foram, durante três anos, treinados intelectual e fisicamente para se tornarem valorosos comandantes de pelotão. O instrutor chefe da escola anunciou que esta turma seria contemplada com 10 vagas para o Depósito de Pessoal da Força Expedicionária Brasileira, ou seja, dez homens naquele dia ganhariam os seus passaportes para a Segunda Guerra Mundial. Uma lista de nomes foi lida; nela constava o nome de dez aspirantes cuja trajetória na Academia havia sido de louvor. O nome de Hugo Alves Correa foi lido logo em seguida. Ele seria um dos dez homens que partiria em breve para o teatro de operações europeu e se reuniria junto a Força Expedicionária Brasileira na Itália.

O tempo correu e os preparativos eram muitos. Havia a necessidade de se confeccionar um novo uniforme além dos tramites burocráticos típicos de uma saída repentina. Em 22 de novembro o aspirante Hugo embarcava no navio de tropas General Meighs e dois dias depois via, de longe, a Baia de Guanabara como ultima visão de seu querido Brasil. A viagem transcorreu normalmente e, naquela altura, o Atlântico parecia um ambiente livre da ameaça dos outrora temidos u-boats. Chegando a Nápoles dia 7 de dezembro de 1944, os homens só desembarcaram dois dias depois, quando finalmente pisavam em terra firme e eram transferidos para um acampamento intermediário. O frio logo surpreendeu a todos e mostrou àqueles homens que a tarefa não seria fácil.

O acampamento permanente foi estabelecido em um acampamento próximo a Pisa, no final do mês de dezembro. Naquela altura da guerra o Marechal Mascarenhas de Moraes já possuía o comando global de sua divisão bem como liberdade de ação total. Em dezembro, o comandante do IV Corpo de Exército havia decido empregar ofensivamente todo o 1º DIE ampliando, conseqüentemente, o setor brasileiro.

Na noite de 1º para 2 de dezembro a maioria desta tropa foi colocada em linha ficando apenas os elementos do Depósito de Pessoal nos acampamentos afastados do front. A FEB atuava, em dezembro, em uma linha de 18kms no vale do Rio Reno, nas proximidades de grandes elevações como Castelo e Belvedere. Ao mesmo tempo em que o Marechal Von Rundstedt dirigia a ofensiva alemã na floresta das Ardennas, em meados de dezembro no limite França-Bélgica, também na Itália houve a tentativa de uma ofensiva para barrar o avanço aliado. O marechal Kesselring desfechava na noite de 25/26 de dezembro uma operação de magnitude para desviar a atenção aliada de Bolonha e capturar Livorno, um dos melhores portos italianos. A partir de 13 de dezembro até meados de fevereiro a ação da Força Expedicionária Brasileira resumria-se a patrulhas e ao constante contato com o inimigo. O frio, na realidade, era um dos grandes inimigos dos soldados, com temperaturas de até 18 graus abaixo de zero.

No acampamento de Pisa os aspirantes, mais familiarizados com o armamento americano, foram utilizados para treinar os soldados brasileiros no manejo das armas e nas condutas de guerra entre o final de dezembro e fevereiro. No dia 17 de fevereiro, o aspirante Hugo recebeu a noticia de que seria transferido para o 6º Regimento de Infantaria a fim de comandar um pelotão de fuzileiros nas ações que a guerra trazia consigo. Ele recebeu o comando de um pelotão veterano: era o segundo pelotão da II Companhia do 6º RI cujos homens já haviam participado de combates em Camaiore, Barga e Monte Piano e estavam resistindo em uma linha cerrada de trincheiras e fox-holes no rigor do inverno

A posição defensiva de Hugo era angustiante. Bombas alemãs espocavam aqui e ali para lembrá-los do rigor da guerra. Patrulhas saiam de acordo com as ordens do batalhão ou para explorar o terreno ou para contatar o inimigo. O frio era a parte mais atroz de todo o cenário: aquele inverno de 1944-1945 foi um dos mais rigorosos nas ultimas décadas na Europa. Os soldados aguardavam dias melhores que a primavera iria trazer para que pudessem expulsar os alemães de suas posições bem defendidas no alto dos cumes dos apeninos italianos.

O período defensivo em que a FEB esteve envolvida, de acordo com o comandante Lucian Truscott, não significava o intervalo da luta. Na verdade, tanto alemães quanto aliados estavam reunindo suas forças para os combates da primavera. Ele lembrou que a artilharia alemã se fazia muito presente bem como o uso de morteiros e era necessário, em muitos locais, a utilização de cortinas de fumaça durante o dia para impedir que as linhas aliadas fossem alvo fácil da artilharia alemã. Este depoimento é encontrado na maioria das memórias escritas por veteranos e o clima foi um fator bastante grave durante todo o período. As noites frias desolavam os homens e as patrulhas mantinham a sensação de que guerra estava bastante presente. Cesar Maximiano descreveu com bastante exatidão a situação dos soldados brasileiros naqueles dias: “os Fox-holes eram profundos e forrados com feno, reforçados com sacos de juta cheios de terra, pedras, troncos de árvore e telhas de metal corrugado, se disponíveis. (...) por mais que um soldado se empenhasse em melhorar a sua posição, a lama e o frio que oscilava entre 15 e 25 graus negativos imperavam na linha de frente. Além do desconforto físico, o frio poderia comprometer a eficiência do combatente. [O soldado] temia enregelar as mãos e não poder usar a metralhadora”.[2]


A fase estacionária da guerra terminou para Hugo em março de 1945. Como parte da ofensiva de primavera, o 1º DIE ficou responsável por três objetivos a serem desempenhados: A conquista de Monte Castelo e Monte Belvedere antes do final de fevereiro seguido na limpeza do vale do Marano seguindo a direção de Santa Maria Villiana – Monte della Croce; e na terceira fase as tropas brasileiras passariam novamente ao ataque, tendo como objetivo Torre de Nerone – Castelnuovo, com a eliminação de Soprasasso. Para este terceiro objetivo o pelotão comandado pelo aspirante Hugo teve como tarefa conquistar a cota 722 entre o Soprassaso e Castelnuovo de modo a isolar os alemães entrincheirados naquela cota impedindo a comunicação e o auxilio destes aos alemães entrincheirados em Castelnuovo. Lá os alemães dispunham de ótimos abrigos e observatórios, fora os extensos campos minados ao redor do Vale de Morano e na região de Soprasasso – Castelnuovo. Na foto ao lado é possivel observar a ingrime encosta de Castelnuovo. No dia 4 de março o pelotão de Hugo iria fazer uma rápida patrulha a fim de explorar o terreno que seria percorrido no dia seguinte, quando a ofensiva fora marcada. Antes de saírem encontraram outro pelotão que retornava e, de acordo com Hugo “a patrulha mal conseguira deslocar-se, tal era o poder de fogo do inimigo. Foi uma ducha fria sobre a minha cabeça. O cansaço domina a mente e, apesar do insucesso desta patrulha, consegui dormir durante a noite sentado de encontro a uma parede”.[3] O aspirante Correa aguardava, na verdade, o amanhecer do dia que o levaria a ter contato direto com os alemães.

A preparação do ataque foi feita por uma intensa barragem de artilharia. Ela continuaria enquanto os homens subissem a íngreme encosta da cota 722 e cessaria assim que eles lá chegassem. O aspirante Hugo seguiria na frente enquanto os homens o acompanhavam em coluna por um. A íngreme encosta com aproximadamente 500m parecia interminável. Os homens alcançaram o topo do morro no momento em que a artilharia cessou. Ao avançarem sobre os abrigos alemães atirando e gritando, os soldados do aspirante Correa imobilizaram cerca de 15 soldados alemães que rapidamente se renderam aos brasileiros. Todos foram revistados e encaminhados ao PC do Batalhão. A rápida ação comandada pelo aspirante Correa lhe rendeu a Cruz de Combate de 2ª Classe naquele dia. Ao longo do dia as batalhas evoluíram em diversos pontos da ofensiva e culminaram no final da tarde, quando soldados do Iº/6º RI penetravam em Castelnuovo e simultaneamente em Soprasasso. Castelnuovo foi conquistado por volta das 19 horas e acentuou os louvores do Gen. Crittenberger as ações de guerra do 1º DIE.

Após esta ação, o pelotão de Hugo foi transferido para Capela de Ronchidos e em 14 de março ele recebeu ordens para freqüentar um curso de Comandante de Pelotão oferecido pelos americanos em Santa Ágata di Gotti, próximo de Roma. Este curso tinha como objetivo aprimorar os soldados aliados nas ultimas técnicas de combate desenvolvidas pelos americanos. O curso era bastante prático e puxado. Os exercícios eram feitos com munição de verdade e sua duração era de 4 semanas. Ao termino do curso, Hugo retornou ao seu pelotão que a esta altura já estava na região de Selegara.

Por esta época, em reunião no dia 8 de abril, ficou esclarecido que a 1º DIE estaria responsável pela captura de Montese, Cota 888 e Montello dentro da Operação Artífice, codinome dado aos aliados a ofensiva da primavera. A data da ofensiva brasileira ficou marcada para 14 de abril, o chamado ‘Dia D’ na Itália. Nesta noite a infantaria brasileira enfrentou um dos piores contra-ataques alemães, com fogo de morteiros, granadas e artilharia na região de Montese. Apesar do esforço do Batalhão de Engenharia, muitas vidas foram ceifadas com as minas ao longo da jornada do dia 14. A euforia da conquista de Montese se apoderava de todos os oficiais brasileiros, mas parte da missão ainda estava incompleta: a capitulação de cota 88 e Montello.

Na manhã do dia 15 a tropa brasileira faz nova arremetida contra o complexo de Montese, com o objetivo de conquistar cota 88 e Montello que ofereciam forte resistência alemã. De fato, aguerrida foi a batalha contra os germânicos, pois a perda destes importantes locais significava o fim da guerra para o exercito alemão na Itália. Durante todo o dia 15 calculou-se a queda de mais de três mil e duzentos projeteis de artilharia alemã no setor da 1º DIE. Graças a esta resistência, as baixas ao longo do dia foram de 129 brasileiros. A luta por Montello prossegue durante o dia 16 e o pior inimigo das tropas brasileiras se chamava Schuhmine: a temida mina alemã feita de madeira, que não podia ser detectada pelos detectores de metais e que costumava arrancar o pé de um homem e que estava espalhada por toda a área de Montese – Montello.

A conquista de Montese pela FEB foi a etapa de maior importância na operação aliada da primavera. Ela contribuiu para a fixação das tropas em uma região de grande importância, obrigaram o inimigo a fazer uso em grande escala de munição e custou muito aos brasileiros: em três dias de luta perderam-se 426 soldados entre mortos e feridos. Foi o episódio mais sangrento suportado pelas forças brasileiras na Itália.[4]

Em prosseguimento as ordens do IV corpo, o 1º DIE segue em 19 de abril para a região de Zocca – Il Monte com o objetivo de capturá-la e prender elementos esparsos do exercito inimigo. Durante este dia, os soldados brasileiros defrontavam-se com a morte, quando corpos de soldados alemães jaziam insepultos no campo de batalha. De vez e outra grande estrondos eram ouvidos: os alemães tratavam de destruir aquilo que não podiam carregar em sua cega retirada. As minas continuavam sendo um problema e o batalhão de engenharia trabalhava sem cessar. Em 21 de abril a cidade de Zocca era conquistada pelos soldados brasileiros, tendo fraca oposição alemã. Enquanto isso, os aliados adentravam a cidade de Bolonha, sendo recebidos pela população que saudava os libertadores.

Neste momento o inimigo se retira apressadamente com o objetivo de atingir o rio Adige e chegar até os Alpes austríacos. Os aliados temiam que a região da Baviera alemã se tornasse um reduto nazista após a queda de Berlim. A notícia de que as tropas nazistas espalhadas pela Alemanha e pela Itália pudessem se juntar nos Alpes fez com que o Gen. Eisenhower mandasse o Gen. Patton avançar sobre a Baviera. Em 23 de abril o 1º DIE recebe ordem de avançar na perseguição ao inimigo, ao sul do rio do Pó.

Durante estes dias a ação foi intensa. Os homens moviam-se constantemente atrás dos alemães e as posições eram totalmente moveis. Hugo comandava os seus homens em ações de assalto e perseguição a pequenos grupos de alemães além de patrulhas de contato com o inimigo. Por sorte, mesmo enfrentando os perigos de uma guerra, Hugo jamais se ferira. Próximo a Gaiano, em 29 de abril de 1945, o aspirante Hugo assistiu a rendição de diversas unidades alemãs e a sua passagem pelas estradas, completamente desarmados. Para Hugo este foi um “espetáculo impar a que assistimos naquele momento! Ficaria gravado na minha memória e guardado como uma das recompensas pela mina participação voluntária naquela aventura guerreira”.[5]

A guerra chegava ao fim naquele final de abril de 1945 para as tropas estacionadas na Itália.


O ano agora é de 2010. O então aspirante a oficial Hugo Alves Correa é hoje um homem de 89 anos que carrega na memória a experiência de ter participado da maior guerra do século XX. Ao retornar ao Brasil este valoroso soldado foi reformado e seguiu a sua vida. Mas as lembranças destas ações permanecem vivas em sua memória. Este texto é uma homenagem a este homem e a todos os que, há 76 anos atrás partiam rumo ao desconhecido, muitos mesmo rumo a morte, para lutar em nome de nosso país e de nossa civilização. Viva o Brasil, Viva a FEB!




[1]Citação da Cruz de Combate de II Classe ganhada pelo 2o Tenente Hugo Correa pelas ações desempenhadas em 5 de março de 1945.
[2] MAXIMIANO, Cesar Campiani. Trincheiras da Memória. Tese de Doutoramento. USP, 2004. p. 127
[3] CORREA. Hugo Alves. Um pelotão de Infantaria em Combate. Edição do Autor. S/d. p. 13
[4] MORAES, J.B. Mascarenhas. A FEB pelo seu Comandante. 2°. ed. Rio de Janeiro, 1960. p. 206
[5] CORREA. Hugo Alves. Um pelotão de Infantaria em Combate. Edição do Autor. S/d. p. 22

quarta-feira, 17 de março de 2010

Engenheiros no Dia D: O batalhão 254º de Combate

A água gelada molhou todo o uniforme e a areia grudava sem perdão no tecido. Em um dia normal isto seria um pequeno empecilho, mas naquele dia os soldados mal sentiam todo o desconforto dos ossos enregelados e da boca cheia de areia. O barulho era ensurdecedor, o inferno parecia estar na terra. Bombas zuniam de um lado para o outro e gritos eram ouvidos sem parar. Os homens tentavam se movimentar, mas a freqüência de tiros zunindo ao redor, de berros e explosões atordoava e confundia os sentidos. Gritos de “Fire in the Hole” podiam ser ouvidos seguidos de mais explosões. Este foi o cenário que um pelotão de engenheiros do Batalhão 254º de Engenheiros de Combate viu na manhã do dia 6 de junho de 1944 nas areias da praia da Normandia, no setor de Omaha.

As vésperas da entrada dos Estados Unidos da América na II Guerra Mundial, a Guarda Nacional do estado americano de Michigan possuía 527 oficiais e 7.673 homens alistados em sua força. Com a entrada dos EUA na guerra após o episódio de Pearl Harbor, os elementos da Guarda Nacional foram transferidos para o Exército americano e se tornaram parte da grande força que iria as terras européias nos próximos anos. Em carta ao governador do estado de Michigan em 1944, o General de Brigada Le Roy Pearson relata que não existem dados específicos sobre a localização de todos estes homens no Exército americano, mas que muitos faziam parte da 32ª Divisão de Infantaria que estava em serviço no teatro do Pacífico. Além destes, os homens de Michigan também faziam parte de um batalhão de engenheiros que participou do Dia D e dos dias subseqüentes aos desembarques na Normandia. Aqui será contada a história deste batalhão, cujo uniforme abre este artigo - como peça de coleção particular -, mas também como um ícone verdadeiro do grande conflito mundial que marcou a história do século XX.

A história do batalhão 254º de Engenheiros de Combate havia começado há muitas décadas atrás. Como parte da mobilização militar dos EUA, o batalhão havia sido criado no final do século XIX com a denominação de Batalhão 107º de Engenheiros, fazendo parte da Guarda Nacional do Estado de Michigan. De acordo com os dispositivos legais, estas unidades estaduais poderiam ser mobilizadas e transferidas para controle federal em caso de guerra com outras nações. Foi o que ocorreu na I Guerra Mundial e voltou a acontecer durante a II Guerra Mundial. Re-designado como Batalhão 254º de Engenheiros de Combate em 1943, os homens foram transferidos para a Inglaterra como parte do plano para a invasão da Europa através do Canal da Mancha.[1] A força total do batalhão era de 32 oficiais e 632 soldados que utilizavam, com orgulho, o símbolo da Guarda Nacional de Michigan em seus uniformes no Braço esquerdo.

O conceito de engenheiros de combate era um atributo utilizado pela primeira vez na II Guerra Mundial. O objetivo destas unidades era promover uma melhor utilização dos recursos humanos em uma batalha. Cada batalhão possuía unidades com atribuições distintas de forma que todo o conjunto pudesse estar envolvido em tarefas diferentes. Os engenheiros de combate eram responsáveis por detecção e desativação de campos minados, pela construção de pontes, abertura de estradas, explosões controladas e serviços topográficos além de uma série de atribuições semelhantes. Estas unidades eram flexíveis e permitiam a economia de tempo em ações que requeriam urgências.

Durante a estadia na Inglaterra, o 254º construiu uma pequena réplica das defesas da Normandia não só para treinar as suas atribuições no grande dia da Invasão como também para treinar as unidades de infantaria e artilharia. O batalhão recebeu ordem para participar da invasão da Normandia em março de 1944 e iniciou os preparativos para o grande dia. Um pelotão do batalhão foi escolhido para acompanhar o 1121º Grupo de Engenheiros de Combate nos desembarques do dia D. Sua atribuição seria a limpeza da praia e a abertura de saídas em setores específicos da praia de Omaha.

Às duas horas iniciais do desembarque eram cruciais. Entre as 6:30 e as 8:30 da manhã dezenas de veículos, homens e engenheiros deveriam desembarcar na praia e realizar o seu serviço. As equipes de engenheiros – 16 no total para as primeiras duas horas – deveriam abrir as brechas de saída da praia em direção ao interior em setores específicos. Cada brecha deveria ter 50m de largura e deveriam ser abertas com explosivos, facilitando a fuga de homens e veículos da linha direta de fogo das casamatas alemãs.[2] Além disso, as equipes deveriam destruir quaisquer obstáculos que estivessem em sua frente como cercas de arame farpado, barreiras anti-tanque, eliminar minas enterradas na areia da praia e os famosos “aspargos de Rommel”, postes de aço que possuíam minas Teller no alto, prontas para explodirem assim que um carro de combate passasse por ali.

As equipes de demolição em Omaha abriram cinco saídas da praia nas primeiras duas horas do desembarque, ao invés das dezesseis planejadas. Mesmo assim, muitas não foram utilizadas pela falta de sinalização e pela intensa fragmentação das unidades de infantaria na praia, muitas com oficiais mortos e sem saber o que fazer.

Naquele dia, um engenheiro de combate assim narrou sua situação, após pular na água do seu transporte que estava sendo alvejado: “o peso das roupas encharcadas, botas, mascara contra gases e o capacete de aço tornaram a medida difícil mas finalmente alcancei água pelos quadris e tentei ficar de pé. Eu estava próximo da exaustão. Finalmente cheguei a terra e tinha percorrido cerca de quatro metros de praia quando um alvo clarão me envolveu. A próxima coisa de que tive conhecimento foi que eu estava deitado de costas olhando para o céu. Tentei me levantar mas não pude e raciocinei: meu deus, minhas pernas foram dilaceradas – pois eu não tinha sensação alguma de movimento e eu não podia vê-las”. Robert Miller,engenheiro de combate, havia sido atingido por um estilhaço na espinha e estava paralitico.[3]

Miller não foi o único engenheiro ferido naquela manhã. Muitos sequer desceram de suas embarcações que foram consumidas por várias explosões antes de chegar à praia. Os engenheiros carregavam, antes de tudo, kilos de explosivos para realizar o seu trabalho o que os tornava um alvo ainda mais mortal caso fossem atingidos. Outros chegaram a praia sem nada nas mãos, apenas a faca de combate no cinto N.A. e com ela realizaram o nobre trabalho de desarmar minas. Isto foi o que sargento Debbs Peters fez ao descer pelas laterais do veiculo de desembarque em chamas. Ao chegar a praia ele tentou correr, mas sua roupa estava tão pesada que ele caiu no chão. Ora caminhando, ora agachando e desviando de projeteis, Peters chegou à muralha de areia onde centenas de soldados se amontoavam a espera da abertura das saídas pelos engenheiros ou na esperança de que as baterias e casamatas alemãs silenciassem. Ao chegar Peters encontrou um major e um capitão de seu batalhão que saíram em busca de uma das saídas. Ao encontrarem, ordenaram a Peters que desarmasse as minas e marcasse o caminho seguro com a fita de marcação. Munido apenas de uma faca, este corajoso engenheiro desarmou várias minas e marcou uma das saídas da praia como segura. Assim como Peters, outros engenheiros de combate faziam o mesmo esquadrinhando o terreno em busca de minas Teller ou minas de caixa e as desarmando com a ajuda das facas de combate.

E assim aquele dia passou. O grupo 1121º de Engenheiros de Combate sofreu grandes perdas naquele dia. Os reforços só chegariam nos dias seguintes; em 8 de junho o restante do 254º Batalhão desembarcou nas praias da Normandia e se pôs a trabalhar freneticamente. Naqueles dias a situação era crítica na frente de batalha. O baixo fluxo de suprimentos e os obstáculos deliberadamente deixados pelos alemães dificultavam ainda mais o avanço das tropas. Uma companhia do 254º construiu em tempo recorde uma nova ponte sobre as fundações da antiga, que foi implodida pelos alemães em sua retirada. Esta ponte era essencial para a ligação entre os setores de Omaha e Utah. Os engenheiros foram durante todo o tempo submetidos a fogo de pequenas armas e artilharia inimiga. Nos dias subseqüentes o trabalho do batalhão foi feito sem cessar. Os acampamentos mudavam com freqüência e os homens tinham pouco tempo de descanso. Era necessário aumentar a freqüência de trabalho para não interromper o avanço das linhas de ataque ao interior da França. O batalhão só retornaria a Inglaterra ao final da guerra.

Após o desembarque na França o trabalho foi complexo. O batalhão auxiliava as divisões de infantaria e em meados de setembro o batalhão adentrava a Alemanha, nas proximidades de Niedersgegen através de uma ponte sobre um curso d’água. Na manhã do dia 22 de setembro forças alemãs destruíram a ponte e minaram a estrada nas proximidades. A batalha pela ponte durou cerca de 24hrs quando os engenheiros puderam novamente estabelecer contato com a outra margem em segurança.

Em dezembro, próximo do Natal, a ofensiva alemã no Bulge fez com que o batalhão fosse empregado como infantaria, por conta da falta de tropas na região. O batalhão conseguiu frear o avanço alemão nos dias subseqüentes e por sua heróica atuação recebeu a Citação Presidencial do Governo Americano e do governo Frances recebeu a citação pela Cruz de Combate francesa representada pelo fourragere que está no uniforme deste artigo. As ações desencadeadas entre 16 de dezembro e o final do mês custaram ao batalhão 28 mortos confirmados, 54 homens desaparecidos e muitos feridos. Três membros do batalhão receberam a Estrela de Prata e 11 soldados receberam a Estrela de Bronze.

Mas a unidade entrou realmente para os anais da história ao construir a primeira ponte sobre o rio Reno em março de 1945. Os alemães haviam destruído parte da famosa ponte em Remagen para frear o avanço aliado. Em 14hrs os engenheiros construíram a ponte militar mais longa da história. Ela se transformou em uma maravilha da engenharia militar com 416m aproximadamente. Em cinco dias de atividade, 6378 veículos em vários comboios passaram pela ponte, incluindo tanques Sherman e infantaria a pé. Março ficou conhecido como o mês das pontes, pois o batalhão construiu outras a medida que se avançava em território alemão.

Com o final da guerra o batalhão foi deslocado para a França a fim de construir campos para abrigar as tropas americanas que seriam enviadas de volta aos EUA ou para o Pacífico. Os campos eram construídos por prisioneiros alemães sob supervisão dos homens do batalhão. Estes valorosos homens retornaram aos EUA no final do ano de 1945 e a unidade foi oficialmente desativada em dezembro de 1945. Muitos destes homens haviam se engajado na Guarda Nacional de Michigan ainda em 1939 e concluíram mais de 5 anos de serviço, além de 11 meses ininterruptos de trabalho na guerra. Os engenheiros de combate provaram ser uma arma indispensável no auxilio das tropas de infantaria durante a guerra. Embora nem sempre sejam louvados como os homens de outras armas que viram a morte mais perto, estes homens merecem todo o reconhecimento por participar do maior conflito do século empunhando facas e objetos não tradicionais, mas que contribuíram de forma decisiva para a vitória final.



[1] http://www.107thengineers.org/History/CombatEngineer/WorldWarII.html
[2] AMBROSE, Stephen. O Dia D. 6 de Junho de 1944. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1997. p. 447
[3] AMBROSE, Stephen. op. cit., p.455

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Capitão Padron: um bravo na artilharia da Força Expedicionária Brasileira

Em 26 de abril de 1945, na localidade de Bibiano, o capitão de artilharia Fernando Pedra Padron tira a foto ao lado em um estúdio fotográfico. Nela é possível distinguir o símbolo da 1º Divisão de Infantaria Expedicionária costurado no uniforme do capitão. É possível também ver o seu tímido sorriso que, certamente, escondia uma alegria muito maior: o 3º Grupo de Obuses da Força Expedicionária Brasileira passava por aquela localidade em rápido deslocamento em direção as tropas alemãs que batiam em retirada pela Itália, após a ofensiva de primavera, iniciada pelos aliados em 14 de abril de 1945. Porém, apenas há alguns meses atrás, Padron estava no Brasil aguardando o dia em que seria enviado para a Itália.

As 8hrs da manhã do dia 23 de novembro de 1944, parte do Rio de Janeiro o transporte de tropas General Meighs levando consigo parte do depósito de pessoal da Força Expedicionária Brasileira. Este mesmo transporte já havia anteriormente servido ao Brasil: levou o 2º escalão da Força Expedicionária Brasileira, composto pelo 11º Regimento de Infantaria e que, a esta altura, realizava suas primeiras manobras em combate em solo italiano. Naquela ensolarada manhã despedia-se da terra natal o capitão de artilharia Fernando Pedra Padron, que juntamente com outros milhares de homens, havia embarcado no navio transporte no dia anterior.

A viagem transcorreu de forma tranqüila e o capitão ficou responsável pelo entretenimento aos soldados dentro do navio. Era sua missão organizar festas e shows para manter os soldados entretidos e diminuir os confrontos pessoais que poderia haver em espaços limitados com enorme concentração de homens. Para o capitão a atividade foi cumprida com louvor durante toda a viagem, diminuindo drasticamente o trabalho dos soldados responsáveis pela segurança do navio. De fato, em seus anos como militar Fernando Pedra Padron havia aprendido uma regra muito simples: “ordem dada é ordem cumprida”.

Padron inicia seus estudos na Escola Militar do Realengo em 1932. Desde os tempos do Colégio Militar já nutria amor pela arma de artilharia. Seu pai, também militar, servia nesta arma e Padron nunca teve dúvidas em qual segmento das armas deveria servir. Ele estava convicto: se não pudesse seguir a carreira de artilheiro, pediria o desligamento da escola militar e se tornaria um civil. Abençoado foi pelo seu estudo e em 29/12 de 1934 foi declarado Aspirante a Oficial. A imagem ao lado é de Padron na época em que cursava a escola do Realengo. No inicio de janeiro de 1935 Padron é deslocado para o 5º Grupo de Artilharia de Dorso em Curitiba onde serviria a partir de então. A partir daí, Padron seguiria por várias cidades do Brasil e em outubro de 1942 foi promovido a capitão. A esta altura o capitão havia se casado e tinha dois filhos.

Em julho de 1943 Padron é matriculado na Escola de Artilharia de Costa na Fortaleza de São João, Rio de Janeiro. È lá que em outubro de 1943 ele toma conhecimento que foi designado ao Grupo Escola de Artilharia onde sua função seria motorizar o grupo que havia sido designado como parte da Força Expedicionária Brasileira. Neste período, o Exército está passando por grandes transformações graças ao anuncio de que o Brasil enviaria uma força expedicionária à guerra. Por sermos aliados dos americanos, deveríamos equiparar o nosso exército ao deles. Isto significava receber novas armas, instruir todo o pessoal dentro dos novos parâmetros táticos e organizacionais, além de abandonar uma característica do nosso exército: na década de 1940 a maior parte da artilharia brasileira era hipomóvel, isto é, os canhões eram tracionados por cavalos. A missão de Padron era exatamente esta: transformar uma unidade hipomóvel em motomecanizada em pouquíssimo tempo. Era necessário formar motoristas e mecânicos.

Em maio de 1944 Padron é transferido para o Depósito de Pessoal (DP) da FEB, em Pindamonhangaba onde também fica como oficial responsável pelo transporte. Sua missão é transformar 100 soldados 11º Regimento de cavalaria, que haviam sido transferidos para o DP (Depósito de Pessoal) em motoristas. E foi assim que, alguns meses depois, Padron recebeu a noticia de que seria embarcado para a Itália com o DP.

Na Itália, todo o contingente do DP foi estacionado em Stafolli, campo situado a 90km de Livorno. Lá Padron continuou como Oficial de Transportes e tinha ao seu comando os 100 motoristas treinados no Brasil e viaturas de diversos tipos a disposição. A cada dois dias Padron era enviado a Livorno para cuidar de suprimentos, munição, roupas e peças sobressalentes para reparar as viaturas que estavam à cargo do DP. Também era responsável pela agenda de transportes de oficiais e soldados as Escolas de Aperfeiçoamento instaladas na Itália e pelo transporte de soldados enfermos ao hospital de Livorno, já que a ambulância responsável por este transporte estava sempre em reparos.

Em março de 1945 o General Cordeiro de Farias, comandante da Artilharia divisionária, teve noticia de que havia aproximadamente 38 oficiais artilheiros no Depósito de Pessoal que estavam encarregados com outras funções que não a artilharia. O General dirigiu-se até Stafolli para levar estes oficiais até o front e distribuí-los entre os 4 grupos de artilharia da FEB. Ao saber da visita do general, Padron imediatamente o procura para uma conversa, pois não havia sido selecionado entre estes oficiais. Após a recusa do general disse o capitão: “meu General, por favor, me leve para a linha de frente pois eu vim para a Itália lutar e não para ficar depositado.”[1] Alguns segundos depois Cordeiro de Farias respondeu afirmativamente a Padron, ordenando que ele se preparasse para partir no dia seguinte.

Padron foi designado ao 3º Grupo de Artilharia da FEB, comandado pelo tenente coronel José de Souza Carvalho. A artilharia brasileira era composta de quatro grupos de obuses e armada principalmente com peças de 105mm. A exceção era o 4ª Grupo de Obuses (GO) composto por peças de 155mm. Cada grupo possuía 12 peças, dividido em 3 baterias de quatro canhões cada.[2] Cada Grupo, comandado por um tenente coronel possuía o seu Estado-Maior e oficiais que serviam junto aos batalhões da infantaria, chamados oficiais de ligação. A artilharia brasileira era formada por grupos recém criados tanto no estado do Rio de Janeiro quanto em São Paulo durante o ano de 1943. A exceção era o grupo proveniente do Grupo Escola, com base no Rio de Janeiro, já existente.[3]

A partir de então o capitão Padron viu a guerra de perto: neste período, após o termino do inverno, os aliados se preparavam para a ofensiva da primavera cujo objetivo era dar um golpe final nas forças inimigas em toda a Itália. A ofensiva da primavera seria feita por todas as tropas aliadas na Itália. Após o rompimento da Linha Gótica, sobretudo no vale do Reno, os alemães tinham instalado outra linha defensiva nas montanhas do vale do Pó. A ofensiva deveria levar os aliados para local mais próximo das fronteiras com a França, Suíça, Áustria e Iugoslávia para bloquear a passagem das tropas alemãs que poderiam chegar à Alemanha. A situação era desfavorável aos aliados, pois os alemães possuíam 28 divisões e uma brigada, enquanto os aliados 20 divisões e 10 brigadas diluídas entre o V e o VIII grupo de Exército[4]. Os aliados tinham a certeza de que a ofensiva da primavera seria marcada por aguerridos combates, pois se os alemães perdessem suas posições, estaria aberto o caminho para a aniquilação do exército nazista em solo italiano.

O movimento foi dividido da seguinte forma, em três fases: capturar e consolidar Bolonha, consolidar as posições no Vale do Pó e atravessar o rio do Pó, que seria a principal rota de retirada do inimigo. Em reunião no dia 8 de abril, ficou esclarecido que a 1º DIE estaria responsável pela captura de Montese, Cota 888 e Montello dentro da Operação Artífice, codinome dado aos aliados a ofensiva da primavera. A data da ofensiva brasileira ficou marcada para 14 de abril, o chamado ‘Dia D’ na Itália.

A esta altura Padron já servia como Oficial de Operações S/3 no Estado Maior do 3º Grupo de Artilharia. O grupo estava, naqueles dias ensolarados de abril, responsável pela preparação aos ataques que seriam iniciados com a ofensiva da primavera. Tiros de inquietação e localização e posterior destruição de pontos estratégicos inimigos também estavam na ordem do dia, assim como apoio a patrulhas que fizessem contato com o inimigo e precisassem de apoio da artilharia. Em 13/04 o grupo inicia o ataque de todos os objetivos previstos para a Artilharia.

As 8h30min do dia 14 de abril levantam vôo, de todos os aeroportos militares da Itália, grupos de caça e bombardeio. Também a artilharia aliada começou um bombardeio de saturação em todas as linhas de frente adversária. Neste momento inicia o avanço das tropas de infantaria, por terra, em busca de seus objetivos. A 10º divisão americana de montanha partia para a batalha, enquanto a 1º e 2º companhia do IX Batalhão de Engenharia da FEB fazia a limpeza de minas na área de Montese. O combate da FEB começou efetivamente às 13h30min com intenso bombardeio e apoio de blindados americanos. Por volta das 15h elementos do 11º RI chegavam a periferia de Montese, abrindo espaço para que soldados brasileiros adentrassem na localidade inimiga. O Tenete Iporã Nunes de Oliveira ganhou a Silver Star, condecoração americana, pelo seu admirável desempenho e destemor ao entrar em Montese[5]. A noite se aproximava e a infantaria brasileira enfrentava um dos piores contra-ataques alemães, com fogo de morteiros, granadas e artilharia. Apesar do esforço do Batalhão de Engenharia, muitas vidas foram ceifadas com as minas ao longo da jornada do dia 14. A euforia da conquista de Montese se apoderava de todos os oficiais brasileiros, mas parte da missão ainda estava incompleta: a capitulação de cota 88 e Montello.

Neste dia, Padron torna-se oficial de ligação da artilharia do II Batalhão do 6º RI junto ao Major Henrique Cordeiro Oeste. Os dois oficiais se deram muito bem, graças a corgem de Padron e o espírito destemido deste major. Padron solicitava pelo rádio junto ao 3º GO os tiros ordenados pelo Major Oeste enquanto a batalha seguia aguerrida.

Na manhã do dia 15 a tropa brasileira faz nova arremetida contra o complexo de Montese, com o objetivo de conquistar cota 88 e Montello que ofereciam forte resistência alemã. De fato, aguerrida foi a batalha contra os germânicos, pois a perda destes importantes locais significava o fim da guerra para o exercito alemão na Itália. Durante todo o dia 15 calculou-se a queda de mais de três mil e duzentos projeteis de artilharia alemã no setor da 1º DIE[6]. Graças a esta resistência, as baixas ao longo do dia foram de 129 brasileiros. A luta por Montello prossegue durante o dia 16 e o pior inimigo das tropas brasileiras se chamava Schuhmine: a temida mina alemã feita de madeira, que não podia ser detectada pelos detectores de metais e que costumava arrancar o pé de um homem e que estava espalhada por toda a área de Montese – Montello[7]. O general Mascarenhas decidiu suspender o ataque, transferindo-o para a manhã do dia 17, enquanto a 10º divisão de montanha americana começava a romper a linha alemã com a conquista de Tole. Neste dia Padron retorna a sua função junto ao 3º GO e acompanha os diversos deslocamentos do grupo pela região do Vale do rio Panaro, acompanhando a retirada das tropas alemãs que seguia com grande rapidez.

Pela manhã do dia 17 o Gen. Crittenberger visita o Gen Mascarenhas e pede que a ofensiva seja interrompida, devido ao avanço da 10º divisão e o rompimento da resistência alemã. A atividade brasileira passou a realização de patrulhas. Padron havia se deslocado junto com o 3º GO para a localidade de Bibiano, onde tira a foto que abre este artigo, em 26 de abril de 1945. A partir desta cidade, a artilharia intensificou seu trabalho na região em que estava espalhada a 148º Divisão de Infantaria alemã. No dia 28/04 o Coronel Nelson de Mello, comandante do 6º RI, lança o ultimato ao comandante das forças alemãs, General Otto Freter Pico e que dizia o seguinte:

Ao comando da tropa situada na região de Fornovo - Respício.Para poupar sacrifícios inúteis de vidas, intimo-vos a render-vos incondicionalmente ao comando das tropas regulares do Exército Brasileiro, que estão prontas para vos atacar. Estais completamente cercado e impossibilitado de qualquer retirada. Quem vos intima é o comando da vanguarda da Divisão Brasileira, que vos cerca. Aguardo dentro do prazo de duas horas a resposta do presente ''ultimato''.

Entrando em acordo as duas partes, ficou acordado que a artilharia brasileira cessaria sua atividade em 29/04. De fato, na madrugada deste dia, o 3º GO deu a ultima salva de artilharia da FEB. A guerra já estava em seu final e a cada dia novas situações deixavam claro que a paz chegaria aos campos de batalha da Europa mais uma vez. Na tarde de 27 de abril Benito Mussolini foi preso enquanto fugia, disfarçado com um capote alemão. Outras divisões alemãs e italianas também se rendiam aos aliados pela Itália do norte. No dia 30 de abril o Gen. Crittenberger entra em Milão, festejando a libertação da cidade desde a prisão de Mussolini. Nova ordem é expedida pelo IV Corpo ao 1º DIE: continuar o avanço detendo possíveis focos de resistência inimiga em direção a Alexandria. Por volta das 22h do dia 30 de abril as forças brasileiras fazem contato com a 92º divisão americana em Alexandria. Eis que no mesmo dia, 30 de abril, Hitler suicidava-se em seu Bunker na Wilhelmstrasse e o final da guerra se avizinhava. Na manhã do dia 2 de maio o Gen. Crittenberger ordena a rendição incondicional de todos os elementos inimigos em solo italiano. Por volta das 22h a ordem é cumprida. A ação culmina na Europa com a assinatura de rendição incondicional do III Reich pelo Gen Jodl em 7 de maio.
Ao término do Conflito, Padron, assim como o restante da FEB, aguarda o deslocamento de volta ao Brasil. Este se dará em agosto de 1945, quando ele retorna com parte da Força Expedicionária Brasileira ao Rio de Janeiro. Padron permanece na ativa do Exército Brasileiro aonde chega ao posto de General de Brigada em 1966.


N do A: As fotos ilustrativas deste artigo fazem parte de minha coleção particular e são originais. O acervo de Fernando Padron está espalhado entre vários colecionadores que se dignificaram a guardar a memória deste e de tantos outros combatentes e que, muitas vezes, são jogados no lixo. As ações descritas neste artigo fazem parte dos dois volumes escritos pelo próprio Padron e publicados entre 1997 e 1998 por iniciativa própria. Estes dois volumes são bastante raros e eu só os consegui através do contato com outros entusiastas da história da Força Expedicionária Brasileira, aos quais agradeço de coração. Também agradeço a Julio Z. que me doou duas imagens de Padron que estavam em seu poder.


[1] PADRON, Fernando Pedra. Recompensa a um Expedicionário. Volume 1. Edição do Autor, novembro de 1997. p. 141
[2] BONALUME NETO, Ricardo. A nossa Segunda Guerra. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1995. p. 135
[3] MORAES, J.B. Mascarenhas. A FEB pelo seu Comandante. 2°. ed. Rio de Janeiro, 1960. p. 7
[4] SILVEIRA, Joaquim Xavier. Joaquim Xavier. A FEB por um soldado. BIBLIEX: Rio de Janeiro, 1989. p. 179
[5] SILVEIRA, Joaquim Xavier. Op. cit., p. 180
[6] MORAES, J. B. Mascarenhas. A FEB pelo seu Comandante. 2°. ed. Rio de Janeiro, 1960 p. 202
[7] SILVEIRA, Joaquim Xavier. op. cit., p. 182