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Memórias do Front: Soldado Francisco de Paula: a Artilharia na FEB

O objetivo deste blog é resgatar, através de artigos, histórias de pessoas que se envolveram no maior conflito da História - A Segunda Guerra Mundial - e que permaneceram anônimas ao longo destes 63 anos. O passo inicial de todo artigo publicado é um item de minha coleção, sobretudo do acervo iconográfico, a qual mantenho em pesquisa e atualização. Os textos originados são inéditos bem como a pesquisa que empreendo sobre cada imagem para elucidar a participação destes indivíduos na Guerra.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Soldado Francisco de Paula: a Artilharia na FEB

O então soldado Francisco de Paula identificação militar nº 1G-192925 embarcava, naquela noite de 30 de junho de 1944, no transporte de tropas General Mann com destino ignorado. Pudera, já que todo o cuidado era pouco a fim de escapar dos tenazes torpedos dos u-boats alemães que circulavam pelo oceano atlântico desde 1942. Francisco, como outros 5.075 homens, era membro da 1ª Divisão Expedicionária da Força Expedicionária Brasileira que embarcava rumo ao teatro de guerra. Francisco não poderia adivinhar que seu rosto e sua função seriam destacados pelo fotógrafo de guerra Pvt. Laurence V. Emery em 29 de setembro de 1944 nesta bela imagem que temos ao lado. É o soldado Francisco de Paula carregando um canhão 105mm com um recado aos alemães: A Cobra está Fumando![1]

Francisco, natural do Rio de Janeiro fazia parte da Artilharia Divisionária que acompanhava o 1º DIE na Itália. A artilharia brasileira era composta de quatro grupos de obuses e armada principalmente com peças de 105mm. A exceção era o 4ª Grupo de Obuses (GO) composto por peças de 155mm. Cada grupo possuía 12 peças, dividido em 3 baterias de quatro canhões cada.[2] A artilharia brasileira era formada por grupos recém criados tanto no estado do Rio de Janeiro quanto em São Paulo durante o ano de 1943. A exceção era o grupo proveniente do Grupo Escola, com base no Rio de Janeiro, já existente.[3] O grupo de Francisco era o 2º GO, o primeiro a embarcar para a Itália e participar das ações na guerra. O comando da Artilharia Divisionária cabia ao Gen. Cordeiro de Farias.

Isso se explica pela necessidade de adequar o Exército Brasileiro as diretrizes norte-americanas tanto de armamento quanto de pessoal. O Exército Brasileiro amargava desde a década de 20 a morosidade da modernização em seus quadros e armamento. Salvo a Missão Francesa, que reformulou o conceito do Ensino Militar durante a década de 20, o Exército Brasileiro era um apanhado de armamento em pequena quantidade e de diversas origens, de falta de pessoal qualificado além de carências estruturais. Era necessário, para se mandar este exército à guerra, um esforço hercúleo a fim de torná-lo operacional.

Para melhorar o desempenho da artilharia, os canhões de 75mm foram substituídos pelos de 105mm e 155mm. Em complemento uma Esquadrilha Aérea para Observação e Regulação de Tiro foi incorporada aos quadros da Artilharia Divisionária.[4] Todas essas modificações exigiam tempo e pessoal treinado efetuando-se, sobretudo, durante o ano de 1943.

E lá estava Francisco aguardando ordem no navio de tropas, ancorado no porto do Rio de Janeiro. Naquela noite o então presidente do Brasil Getúlio Vargas discursava aos combatentes excitados e ao mesmo tempo amedrontados frente ao futuro incerto que vinha de encontro a sua juventude e vitalidade. As palavras de Vargas ecoavam pelo microfone a bordo do navio. E retumbavam no ouvido dos expedicionários: “É sempre uma glória lutar-se pela pátria e por um ideal. O governo e o povo do Brasil vos acompanham em espírito na vossa jornada e vos aguardam cobertos de glorias” 5


O navio de tropas General Mann chegou ao porto de Nápoles no dia 16 de julho. No mesmo dia foi iniciado o desembarque do primeiro contingente da FEB. A tropa se deslocou para o estacionamento de Agnaro, próximo ao subúrbio napolitano de Bagnoli, fazendo parte do trajeto a pé e parte por ferrovia. A partir daí, vários deslocamentos seriam feitos e treinamentos seriam ministrados aos infantes brasileiros até que, em 12 de setembro veio a ordem de batalha para a FEB: deveria deslocar-se para Ospedaleto, uma região ao sul de Pisa e a 50 km de Vada. Assim, em 15 de setembro, especial data da historia militar brasileira, todo o grupamento tático do 1º DIE deveria substituir as tropas americanas na linha Massaciuccoli – Filettole – Vecchiano, no Vale do rio Serchio6. Era a primeira missão na guerra da Força Expedicionária Brasileira.

E Francisco não tardaria, ele mesmo, a participar da guerra. Em 16 de setembro de 1944 às 14h22min a 1ª bateria do 2º GO sob o comando do Capitão Mário Lobato deu o primeiro tiro da artilharia brasileira em terras européias. E dali por diante a artilharia brasileira faria fama frente aos tedescos.

Afirmou Cordeiro de Farias, comandante da Artilharia Divisionária na Itália: “A melhor artilharia que operou na Itália foi a minha e isso foi dito por oficiais americanos e prisioneiros alemães. Quando os americanos queriam fazer uma nova experiência sempre contavam com a minha tropa”.7

O batismo de fogo do 1º DIE comandado pelo Gen. Zenóbio da Costa ocorre no dia 16 de setembro, com a tomada sucessiva das localidades de Massarosa, Borrano e Quieza, que se achavam em poder dos alemães. As ações não tiveram qualquer complicação e a tropa brasileira continuou progredindo. Elas serviram, no entanto, para elevar o moral da tropa brasileira no seu primeiro confronto vitorioso com o inimigo. A 18 de setembro decide o Gen. Zenóbio ocupar a localidade de Camaiore, importante centro de comunicações e abastecimento dos alemães que controlavam todo o vale vizinho.

Não obstante, o próprio Gen. Zenóbio comandou pessoalmente o avanço do 6º R.I sobre Camaiore. Pegos de surpresa, os alemães não ofereceram resistência, abandonando a cidade e a linha Camaiore – La Rena – Fattoria foi ocupada por elementos do 6º R.I. O objetivo da Força Expedicionária Brasileira era a ruptura da área denominada “Linha Gótica”, uma frente de 250 km, do mar Tirreno ao Adriático guarnecida pelos alemães. O ponto forte desta defesa eram os montes altos, sobretudo no vale do Reno, controlados por diversas divisões alemãs e italianas. Reiniciando sua marcha sobre a Linha Gótica, durante os dias 19 e 20 de setembro a tropa avançou sob fogo de morteiros e artilharia. Durante este avanço, a 20 de setembro, capturam-se os primeiros prisioneiros alemães, desertores da 42º divisão de infantaria. A Força Expedicionária Brasileira também sofreu as primeiras baixas, três praças mortos por estilhaços de granadas8.

Na edição nº 7 de 24 de janeiro de 1945 do jornal editado pela FEB chamado Cruzeiro do Sul é Francisco que ilustra a capa. Sua célebre imagem que hoje ilustra este artigo ilustrou há 63 anos atrás o folhetim da FEB que graciosamente dizia: "A NOSSA RESPOSTA: O tedesco, de vez em quando, despacha para as nossas linhas certos folhetos que procuram desvirtuar a nossa luta, dizendo que estamos errados, que não temos motivo para combater a Alemanha, que tudo é obra dos Estados Unidos. Mas nós, via de regra, também despachamos nossas respostas. Aí vai uma: A Cobra Está Fumando.... Será preciso traduzir para o Alemão? Não, essa mensagem quando chegar nas linhas alemãs, já estará traduzida... A cobra já terá acabado de fumar.. O tedesco sabe como é.... "9

Francisco passaria pelo vale do Rio Sercchio e, no vale do Rio Reno, participaria com louvor da tomada de Monte Castelo em fevereiro de 1945. Para esta conquista a excepcional tarefa da artilharia divisionária, comandada pelo Gen. Cordeiro de Farias foi essencial. Entre as 16 e 17 horas a artilharia transformou o cume de Castello em crateras que desnorteavam o inimigo. Assim descreve Joel Silveira, correspondente de guerra brasileiro instalado no posto de comando avançado junto com os oficiais que acompanhavam a ofensiva:

“As encostas de Castello, cessando o fogo de nossa artilharia, se transformaram numa paisagem lunar. O Major Uzeda continua a avançar sob a proteção de nossos tiros e já agora começam a pipocar as metralhadoras dos seus soldados. (...) as 17h50m a voz do Major Franklin vem, forte, pelo rádio: ‘estou no cume de Monte Castello’ e pede fogo de artilharia sobre as posições inimigas além do monte. Castelo é nosso, me diz o Gen. Cordeiro. (...) Os norte americanos só conquistaram seu objetivo noite adentro, quando os brasileiros há muito tinham completado a sua missão e começavam a ocupar, na crista de Monte Castello as privilegiadas trincheiras e as formidáveis casamatas recém abandonadas pelos alemães, que na sua retirada deixaram em mãos dos soldados mais de 80 prisioneiros”.10

Depois de Monte castelo, a artilharia brasileira teria um papel exemplar também na tomada de Montese, em abril de 1945. A partir do dia 14 até o dia 17 os grupos de artilharia trabalharam sem cessar. Estima-se que os alemães tenham mandado para o setor da 1ª DIE mais de três mil e duzentos projéteis de artilharia. Em contrapartida, Francisco e seus colegas devem ter mandado número similar na cabeça dos tedescos. Montese foi uma das mais encarniçadas lutas que as tropas brasileiras enfrentaram. O mais impressionante era a tenacidade dos alemães naqueles dias que, sem saberem, eram os últimos da guerra.

A conquista de Montese pela FEB foi a etapa de maior importância na operação aliada da primavera. Ela contribuiu para a fixação das tropas em uma região de grande importância, obrigaram o inimigo a fazer uso em grande escala de munição e custou muito aos brasileiros: em três dias de luta perderam-se 426 soldados entre mortos e feridos. Foi o episódio mais sangrento suportado pelas forças brasileiras na Itália.11

Os últimos dias na Itália são narrados com a familiaridade de quem prevê seu fim. Assim nos diz o Tenente Gonçalves do 6º RI: “Nos derradeiros dias do mês de abril, tudo levava a crer que a guerra chegaria ao fim naquela sucessão de vilas e cidades ocupadas em meio a pequenas escaramuças e inimigos que se rendiam. O 6º RI junto aos outros dois regimentos do 1º DIE, vinham libertando uma série de localidades com a estrondosa receptividade dos italianos que festejavam o fim da guerra (...). Nas pequenas cidades libertadas pelo 6º RI e outros regimentos, os italianos recebiam os soldados brasileiros de forma delirante. O vinho corria abundantemente em garrafas e mais garrafas (...). Os sinos das igrejas das pequenas cidades eram soados, as viaturas saudadas com palmas e flores.” 12

Com o término da guerra, em 8 de maio de 1945, Francisco retornou ao Brasil em 18 de julho de 1945. Completou um ano e alguns dias em solo Europeu, do qual oito meses foram a serviço direto de sua pátria mãe executando aquilo que fora treinado: libertar da opressão nazista o solo europeu e trazer os louros da vitória para o seu doce e amado Rio de janeiro.

A foto possui ainda em seu verso a inscrição das fotos de imprensa do tempo da guerra. Diz assim:









VEJA TAMBÉM

>> B-17 Liberty Bell: A saga de um Bombardeiro

>> João Avelino Santos: Um soldado na FEB.

>> Metralhadoras alemãs em ação: MG 34 e MG 42


[1] Imagem da coleção pessoal de Fernanda Nascimento. Mede aproximadamente 25x20cm.
[2] BONALUME NETO, Ricardo. A nossa Segunda Guerra. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1995. p. 135
[3] MORAES, J.B. Mascarenhas. A FEB pelo seu Comandante. 2°. ed. Rio de Janeiro, 1960. p. 7
[4] Ibid. p.14
5 MORAES, op. cit. P. 25-26
6 Ibid. p 68
7 CAMARGO, Aspásia (org). Diálogos com Cordeiro de Farias. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 2001. p. 268
8 BRAYNER, Marechal Floriano de Lima. A verdade sobre a FEB. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 1968. p. 168
9 O jornal é de propriedade do colecionador B. Zarranz. Imagem e informação cedida por B. Zarranz. Meu muito obrigada.
10 SILVEIRA, Joel. MITKE, Thassilo. A luta dos Pracinhas. 3° ed. Record: Rio de Janeiro, 1983. p. 69
11 MORAES, op. cit,. p. 206
12 GONÇALVES, José. MAXIMIANO, César Campini. Irmãos de Armas. Codex: São Paulo, 2005 p. 207-208

18 comentários:

Paula Mello disse...

Ola amiga!! Faz tempo que não apareco aqui, meus filhos passaram julho inteiro em férias, ai já viu...Mas agora estamos de volta hehehe!! Adorei seu artigo, publiquei no meu blog, e tb encaminhei para o Roberto Graciani que é o responsável pelo site da ANVFEB (Assoc. Nac. dos Veteranos da FEB0 e o site deles tb é um dos meus favoritos. O Roberto é muito gentil, quem sabe se vc precisar de algum material possa falar com ele? Tenho certeza qeu ele ajudará de bom grado.
Parabens sempre, continue, estarei mais vezes por aqui!!
Beijos da amiga de SP
Paula
quintaldapaula.blogspot.com

Galdino Neto disse...

Suas matérias sobre nossos pracinhas dão de dez a zero nas outras. Bairrismo?
Pode crer!

Anônimo disse...

Boa noite Fernanda.

Nas tuas pesquisas, você encontrou alguma história de um soldado da FEB que num dia de folga, ao procurar por uma prostituta, descobriu que a mesma era uma mulher casada (o marido, doente, teria aberto a porta da casa).
O soldado, constrangido, ao perceber tratar-se de um casal, desiste da "noitada", deixando para os mesmos, os alimentos que havia levado como paga dos "serviços"?

Nunca mais achei o site que contava essa história (de forma bem mais "calorosa" do que eu escrevi).

Sem uma confirmação, não posso utilizar a mesma como um exemplo.

Agradeço qualquer ajuda.

P.S.: Aqui na minha cidade tem um Museu dedicado à FEB. Se quiser mando-lhe fotos e dados.

Unknown disse...

Oi Fernanda....

Meus parabéns pelo Blogger, também sou apaixonado por historia militar. Mas sou Geógrafo de formação, resido em Natal-RN, palco de alguns dos seus artigos.

Continua com esse trabalho sensacional e se precisar de alguma coisa que a minha localização geográfica facilite pode entrar em contato.

Unknown disse...

Ahh esse meu e-mail: tarik.geo@gmail.com

Unknown disse...

Bravo!

Espero que este elogio seja seguido por muitos outros, seu trabalho é excelente.

Parabéns

Brunno César disse...

Opa!!! Parabéns pelo blog. Sou aluno do Colégio Militar de Juiz de Fora e a história que você publicou é motivo de grande orgulho para os alunos do Gremio de Artilharia. Se possivel publique mais sobre a nossa artilharia e se eu puder ajudar meu e-mail é brunnocfg@hotmail.com.

Abraço!!!

Unknown disse...

Sensacional o BLOG, descobri a pouco tempo e já estou fascinado com o tipo de leitura aqui, de fácil interpretação e recheada de informações! Congratulações a autora! Parabéns!

joao disse...

ola po qeria tenta aruma o nome de soldados pracinhas de santa catarina se comseguir envie no email leo.ilhota@gmail.com valew indabn qeauguen lmebra desses homens qe derau a vida na guerra pela paz bjus

Chico Sousa disse...

Parabéns pelo artigo, fico feliz em ver que a memória de nossos hérois continua viva.

Anônimo disse...

Justo o que eu procurava sobre plaqueta de identificação. Obrigada!

Eliel de Paula disse...

Por pura curiosidade sobre esta foto, descobri que tenho o mesmo sobrenome deste herói brasileiro. Só aumenta meu orgulho!

Obrigado por postar este rico material.

Unknown disse...

Meu marido tb
Foi da Feb

Ivã´s HP disse...

E como foi a vida pós-guerra do Francisco de Paula?

Unknown disse...

O soldado Francisco de Paula foi assassinado por comunistas nos anos 1960, na Guerrilha do Araguaia.

https://heroisbrasil.fandom.com/pt-br/wiki/Soldado_Francisco_Valdir_de_Paula

Unknown disse...

Boa tarde
Em primeiro lugar parabéns pela matéria.
Estou fazendo um diorama em escala dessa cena e preciso de mais informações sobre o que estava escrito no canhão e quais símbolos usava. Se puderem ajudar agradeço muito.

Anônimo disse...

Muito boa a matéria, este homem acabou de tornando meu avô, tenho muito orgulho dele..

Anônimo disse...

Cara que top, é pra ter orgulho mesmo, eu tb tenho muito orgulho de seu avô, ele me representa. Um verdadeiro herói!