As metralhadoras tornaram-se um objeto inestimável durante a I Guerra Mundial, uma guerra onde a mobilidade dos exércitos não existia e a metralhadora servia de modo eficaz para barrar o avanço das colunas de infantes que irrompiam em direção ao inimigo. Durante a II Guerra Mundial esta arma não logrou a mesma importância que adquiriu no conflito anterior, mas provou o seu valor sempre que a batalha se tornava estática, exigindo o emprego de posições fixas. Aqui se pode então destacar a ação de duas metralhadoras em especial, utilizadas pela Wehrmacht: a MG 34 e MG 42. Estas metralhadoras tiveram uma produção baixa até 1939, caso da MG 34. Com o início do conflito, seus estoques aumentaram sensivelmente, chegando aos milhares ao final da guerra.
A Alemanha saiu derrotada da I Guerra Mundial não apenas no sentido militar: também saiu econômica e socialmente. A derrota gerou um sério sentimento aos alemães, mas não foi a única coisa: o Tratado de Versalhes acabou, definitivamente, com qualquer pretensão de manter um exército forte e uma industria militar. Sem estoques da guerra e com sérias restrições, só sobrou a Alemanha a pesquisa, em busca de melhores armamentos para dotar suas Forças Armadas quando fosse possível.
Neste sentido, surge na década de 30 o projeto de uma metralhadora simples que pudesse ser produzida facilmente em larga escala. Foi considerado um projeto perfeito, porém rejeitado. Em 1934 novo projeto é submetido a Wehrmacht e aprovado, com inicio da produção em 1936. Nascia assim a lenda da Maschinergewehr 1934 ou MG 1934. A cadencia de tiros desta arma estava na base de 800 a 900 cartuchos por minuto. Sua guarnição era normalmente composta de dois homens – um municiador e um atirador. Cada cinta de munição possuía 50 cartuchos e o cano da metralhadora poderia ser trocado com facilidade, em caso de manutenção.
A MG 34 foi a primeira metralhadora de uso geral. Os alemães tiraram uma séria lição dos campos da I Guerra: perceberam a metralhadora como principal arma da infantaria. Com um alcance eficaz de, no mínimo 600m, os alemães perceberam que, bem dispostas um grupo de sete metralhadoras distantes 60m entre si e podendo varrer um arco de 150º poderiam deter o avanço de um regimento.[2] É bem compreensível, portanto, a necessidade de reforçar esta arma. Entre o Exército alemão desenvolveu-se ainda a concepção de que os fuzileiros deveriam apoiar o trabalho efetuado pela metralhadora, tendo ela o trabalho principal.[3] Abaixo, imagem da MG 34.
A metralhadora pesava quase 12kg e o bipé e as cintas de munição acrescentavam mais 2kg ao seu peso. Apesar de ser uma ótima arma, a MG 34 tinha um inconveniente: a poeira, a lama e a neve eram seus grandes inimigos. Na tentativa de aplacar este problema, criou-se a MG 42, a partir de 1941. O grande mérito da MG 42 era disparar mais de 1.200 tiros, somente em rajada. Ela tornou-se temida por todos os infantes, principalmente pelo barulho inconfundível que fazia quando em trabalho.
A MG 42 deveria ter substituído totalmente a MG 34. Mas isso não foi possível e as duas armas passaram a conviver em todos os teatros de guerra. Ao lado, MG 42.
Nas tropas alemãs estacionadas na Itália a média era de uma metralhadora MG 42 para cada grupo de 10 homens do Exército alemão. Como indica Maximiano, a MG 42 era versátil e de alta cadência.[4] Comparando-se com a metralhadora Browning .30 americana que disparava cerca de 650 tiros por minuto, as metralhadoras alemãs MG 34 e 42 chegavam aos 1200 disparos por minuto.
O sargento Leonercio Soares da Força Expedicionária Brasileira em sua primeira noite no front, ao final do mês de novembro de 1944, registrou a imagem que viu, proporcionada pelo fogo das metralhadoras alemãs: “A cada clarão de very-light, seguiam-se os tiros e o repicar das metralhadoras em rajadas tão rápidas, nas quais os estampidos se uniam em seqüência, perdendo-se num só gargalhar, serenamente tétrico”.[5] Diz-se que seria por conta deste ‘repicar’ ao qual o sargento faz alusão que teria surgido denominação de Lurdinha a metralhadora MG 42 pela Força Expedicionária Brasileira: o som se assemelharia a uma máquina de costura operada então por uma moça de nome Lurdinha. Independente da origem da alcunha a metralhadora fazia seu trabalho tenazmente no front. Uma saraivada de tiros bem dada sobre um infante poderia despedaçá-lo facilmente.
Mas as metralhadoras alemãs não causaram furor e estragos somente no front brasileiro naquele ano de 1944. Elas estavam presentes também durante o desembarque aliado na Normandia, em 6 de junho de 1944. O panorama neste dia foi descrito como aterrador por muitos veteranos que lá estiveram. As metralhadoras varriam a praia de ponta a ponta até onde seu alcance proporcionava. Houve mesmo naquele dia, em um bunker, um soldado que operou uma MG 42 até o final do dia, disparando mais de 12 mil cartuchos.
Em 1994 Stephen Ambrose fez uma pequena menção a este soldado em seu livro O Dia D.[6] Alguns anos mais tarde este alemão escreveu suas memórias onde descreveu sua sensação ao utilizar a metralhadora sobre as incessantes levas de desembarque na praia. Seu nome era Hein Severloh. Disse ele: “Eu via a água espirrar para todo lado, onde minha metralhadora atingia, e via os soldados se atirarem no chão pelas redondezas. Logo eu vi os primeiros corpos balançando nas ondas da maré alta. Em pouco tempo, todos os americanos lá embaixo tinha sido atingidos”.[7]
Naquele mesmo dia o sargento Thomas Valence da 116ª divisão de infantaria americana teve seu fêmur na coxa esquerda quebrado por uma bala que atingiu sua perna. Levou ainda mais dois tiros na perna, além de ter a mochila furada por vários tiros e a jugular do capacete cortada. Ao seu lado “os corpos dos meus camaradas estavam sendo arrastados pelas águas e eu era o único sobrevivente no meio de tantos amigos, todos eles mortos, em muitos casos cruelmente feitos em pedaços”.[8]
Mas houve também muitos episódios de sucesso na luta contra as metralhadoras. O soldado brasileiro Vicente Gratagliano, em uma ação heróica em 5 de março de 1945, em meio ao fogo de artilharia inimigo alcançou a retaguarda de uma metralhadora em posição que atrasava o percurso de seu grupo de combate. Com seu fuzil metralhadora BAR disparou cerca de 60 tiros sobre a posição, inutilizando-a. Por esta ação foi condecorado com a Cruz de Combate de Primeira Classe.[9]
Depois da II Guerra Mundial a MG 42 permaneceu em uso nas Forças Armadas da Alemanha Ocidental. Passou por pequenas modificações, como a universalização do calibre ao padrão europeu.
[1] Imagem da coleção pessoal de Fernanda Nascimento.
[2] CASTRO, Adler Homero. BITTENCOURT, João neves. Armas. Ferramentas da Paz e da Guerra. BIBLIEX: Rio de Janeiro, 1991. p. 113
[3] WEEKS, John. Armas da Infantaria. RENNES: Rio de Janeiro, 1974. p. 135
[4] MAXIMIANO, César Campiani. Irmãos de Armas. CODEX: São Paulo, 2005. p. 111
[5] SOARES, Leonercio. Verdades e Vergonhas da Força Expedicionária Brasileira. Edição do Autor, 1984. p. 50
[6] AMBORSE, Stephen. O Dia D. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 1997. p. 397.
[7] Em 2000 este soldado lançou um livro de memórias, onde enfoca principalmente sua traumática experiência no dia D. Em alemão, o título do livro é WN 62 - Erinnerungen an Omaha Beach.
[8] AMBROSE, op. cit. p. 400
[9] MAXIMIANO, op. cit. p. 193-198.
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10 comentários:
Fernanda,
boa tarde
Está levando teu projeto em frente e bem.
É de fácil leitura e reflete seu conhecimento daquilo que escreves.
Parabéns
manoel martins
Rio/RJ
PS: Se estiveres >>buscando<< dados, sejam da Biblioteca Nacional ou de onde for, aqui, resido num ponto bom de locomação, entre Botafogo e Urca.
Estou à tua disposição.
manoel
Fernanda, seu blog está cada vez melhor. Sempre um artigo bacana. Não pare, pois acredito que vários do grupo grandes guerras, acompanham seus escritos por aqui.
Grato
Opa, esqueci apenas um pequeno comentário. Acredito que apenas faltou esclarecer bem a versatilidade desta MG.
Era usada tanto como metralhadora pesada, montada em tripé e metralhadora de acompanhamento no grupo de combate.
Pelo que percebi você descreveu bem a função da arma usada em um grupo de combate, onde Sargento normalmente comanda e a metralhadora era usada como arma principal de emprego geral com os outros membros dando apoio.
Mas a mesma metralhadora era usada como metralhadora pesada, quando usada com guarnição munida de tripé. Dessa forma a precisão dela era de mais de 1000 metros e alcance efetivo de 2000 para mais. Algumas guarnições chegavam a usar uma pequena luneta acoplada como mira da arma. Normalmente era composta de 5 homens, um sargento ou cabo comandante, o nome do posto correspondente em alemão não recordo de cabeça, um atirador e outros três para carregarem a munição extra e o tripé. Muitas vezes eram dispostas em companias de petrechos pesados ou até mesmo diluidas pelos pelotões.
A fonte de tais informações estou te devendo de pronto agora, mas se eu procurar vou acabar achando de qual publicação eu tirei isso.
Meus comentários não são para denegrir o seu texto que realmente gostei, apenas estou trazendo uma informação complementar
Parabéns
Manoel! Muita obrigada por suas palavras. Gosto delas pois sei que são sinceras! Continue acompanhando o BLOG.
Abraços,
Fernanda
Marco, muito obrigada pelas palavras! Com certeza o projeto do blog vai longe. Tenho muitas idéias na cabeça e muitas imagens ainda para explorar. Em breve haverá um novo texto sobre a FEB que está me dando muito prazer em pesquisar. Gostei muito de seu complemento, obrigada! Realmente a MG teve um uso bastante flexivel durante a guerra. Acho que me esqueci de dizer também que era utilizada nos tanques alemães também. Foi uma arma e tanto.
Abraços,
Fernanda
Guten Tag, Fernanda.
parabéns pelo belo trabalho!!!
ola fernada, sou um amador de armas de fogo,e divulgo assuntos relacionados a combates de guerra e taticas de armas, e em breve estarei mostrando o meu blog,gostei muito das suas pesquisas,falou muito das mg-42/34 sou fã delas, e bom saber que existem pessoas que realmente tenha a disposição informações tão verdadeiras deste tipo,você realmente sabe de coisas que talvez poderia ser tema de algum forum oi debate descutindo em escolas como forma de apredizagem.adorei muito sua materia continui assim.adriano. dhttp://taticasdearmas.blogspot.com/ e de sua opinião.obrigado.
Muito bom o artigo e o blog, Fernanda! Parabéns!
Boa tarde,sou plastimodelista e gostaria de fazer rmas da segunda guerra mas encontro dificuldades em conseguir imagens. Ficarei muito grato se puder mandar algumas pra mim. Metralhadoras, avioes pequenos...quanto mais fotos nitidas e varios angulos melhor.se for possível. Claro. De ja, obrigado.
Oi Fernanda, bacana seu blog. Tenho uma dúvida com relação ao apelido "Lurdinha" - também foi o apelido de uma metralhadora usada na revolução consitucionalista de São Paulo. Claro que não se referia à mesma arma. Você sabe qual ela era? E a razão original do apelido? Abraços e obrigado
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