O Brasil era então governado por Getúlio Vargas. Há quase dois anos o país vivia o Estado Novo, um golpe silencioso arquitetado durante o ano de 1936 e 1937 que culminou em uma ditadura instaurada por Vargas em 10 de novembro de 1937. O fechamento do Congresso, a proclamação de uma nova constituição e o fim definitivo da campanha eleitoral foi justificado pela ameaça comunista, o ‘terror vermelho’ que ameaçava ‘diabolicamente’ as estruturas democráticas do país. Também foram decretados inimigos do Estado Novo os integralistas, comandados por Plínio Salgado e os partidos políticos, entre eles o Partido Nazista que contava com uma pequena célula no Brasil.
Com o início do conflito mundial, o Brasil permaneceu neutro. Mas esta realidade mudaria bruscamente por conta dos ataques ao porto americano de Pearl Harbor em dezembro de 41 no Hawaii. A conseqüência imediata foi uma reunião as pressas das dirigências dos países americanos no Rio de Janeiro em 1942 que deveria decidir que caminho os países latino-americanos deveriam tomar. Com o ataque, os EUA declararam guerra as potências do Eixo. O Canadá, como aliado da Grã-Bretanha, estava envolvido diretamente com tropas no conflito desde 39; restava os países latinos resolverem sua posição de neutralidade ou guerra.
Às vésperas da realização da Conferência, em janeiro de 1942, os embaixadores do Eixo no Brasil entregam cartas ao governo brasileiro. Estas cartas possuem conteúdo de ameaça na tentativa de pressionar o governo brasileiro a manter a neutralidade perante os países do Eixo, apesar da ofensiva contra um país americano. A carta alemã deixa claro que, se qualquer nação latino-americana efetivamente decidir pelo corte das relações diplomáticas com a Alemanha acontecerá a “eclosão da guerra efetiva”. 1
As ameaças expressas na carta do Embaixador alemão Curt Prüfer deveriam ser levadas a sério: naquele momento os militares brasileiros nada poderiam fazer se a Alemanha tomasse medidas contra o Brasil: as forças armadas efetivamente não podiam fazer a defesa do país, sobretudo da longa faixa costeira. Do outro lado do Atlântico, em Berlim, o Embaixador brasileiro é expulso e o comando de Submarinos da Kriegsmarine recebe ordens de afundar navios com bandeira brasileira. A Guerra chega ao quintal do Brasil em 15 de fevereiro, quando o cargueiro Buarque é posto a pique ao largo de Norfolk, na costa americana.2
O torpedeamento do Buarque causou a morte de onze tripulantes. No dia 18 de fevereiro de 1942 foi torpedeado o Olinda também próximo à costa dos Estados Unidos pelo submarino U-432. No dia 25 do mesmo mês o navio Cabedelo desapareceu misteriosamente, com 54 tripulantes. Após a guerra descobriu-se que foi torpedeado pelo submarino italiano, o Da Vinci.3
Para coordenar suas atividades no Atlântico, a Alemanha e a Itália criaram a partir de 1° de setembro de 1940, o Comando Superior da Força Submarina no Atlântico, baseado em Bordeuax. Ele coordenava uma vasta área, do litoral de Portugal às Antilhas e ao litoral brasileiro. O comando superior utilizou 32 submarinos durante o período de setembro de 1940 e setembro de 19434. No dia 7 de março novo navio é posto a pique, o Arabutan, também na costa de Norfolk, pelo submarino U-155. Em 10 de março o navio Cairu é destruído por dois submarinos ao largo de Nova Iorque.
O governo brasileiro protesta junto às representações diplomáticas em Portugal e Espanha. Pede para que cesse os ataques à frota brasileira mercante desprovida de proteção. A Alemanha desconsidera o pedido e o governo brasileiro edita um decreto-lei sobre Indenização por Atos de Agressão responsabilizando o Eixo pelos ataques. Uma série de medidas é tomada, como a incorporação das companhias de aviação LATI (italiana) e Condor (alemã), a incorporação de 16 navios do Eixo atracados em portos brasileiros, com suas tripulações sob o domínio jurídico brasileiro e a exigência de salvo-conduto para todo o estrangeiro do Eixo que quisesse circular pelo Brasil.5
Apesar das medidas tomadas pelo Brasil, as agressões prosseguem durante os meses de abril, maio, julho e agosto, culminado na segunda quinzena de agosto: em 15 de agosto o submarino alemão U-507 atinge o navio Baependi com majoritária população civil. Atingido, ele afunda rapidamente, causando a morte de 269 pessoas entre civis e militares. Se até então o Eixo mantinha seus ataques a marinha mercante brasileira, a partir desse momento não hesitou em atacar civis. O chefe de máquinas do Baependi, Arthur Kern, assim narrou o fato: “o primeiro torpedo, presumivelmente, deu-se na casa das caldeiras e o segundo também (...) arrebentou nos tanques de óleo combustível. Desde o primeiro estampido, contando um minuto ou talvez dois, o navio submergiu completamente”. No mesmo dia é posto pique também pelo U-507 o Araraquara, onde morreram 129 pessoas. O 1º piloto do Araraquara, Milton Fernandes, assim descreveu o torpedeamento: “Achava-me dormindo tendo acordado por motivo do estampido. Vi aproximar-se de mim o comandante perguntando ao oficial do quarto: - o que foi isso? Nervoso, o oficial perdera a fala, tendo sido eu quem lhe respondeu: Comandante, fomos torpedeados e estamos afundando”.6 O submarino U-507 ainda pôde por a pique mais 5 embarcações entre os dias 16 e 19 de agosto.
As manifestações acontecem Brasil afora. As cidades de Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo despontam como centros da indignação brasileira frente ao ataque indiscriminado do Eixo a população civil. Na foto ao lado, populares estyão em frente ao palácio do Governo no RJ aguardando o anuncio de Vargas. Até o dia 22 de agosto prosseguem as intensas manifestações culminando com a declaração efetiva de guerra feita pelo governo brasileiro na manha do dia 22. Eis o documento:
“O Sr. Presidente da República reuniu, hoje, o Ministério, tendo comparecido todos os ministros. Diante da comprovação dos atos de guerra contra a nossa soberania, foi reconhecida a situação de beligerância entre o Brasil e as nações agressoras – Alemanha e Itália. Em conseqüência, expediram-se por via diplomática, as devidas comunicações àqueles dois países (...)”7
Mesmo depois da declaração de guerra, mais 5 navios são torpedeados, desde a costa americana até a costa africana. O Brasil perdeu, no decurso de quase um ano de ações hostis, 472 marinheiros da marinha mercante e 502 soldados e civis, passageiros dos navios afundados.
Para documentar o fato, em 1943 o governo lança o livro Agressão – Documentário dos fatos que levaram o Brasil a Guerra com imagens dos mortos que chegaram ao litoral, imagens das passeatas no RJ e da reunião que definiu a declaração de guerra contra a Alemanha. Traz ainda os depoimentos de alguns sobreviventes, bem como o nome de todos os mortos. O documento é uma justificativa ao mesmo tempo que presta uma homenagem aos envolvidos nas agressões do Eixo. A capa e imagens das manifestações ilustram este artigo.
1 SEITENFUS, Ricardo. A entrada do Brasil na II Guerra Mundial. EDIPUCRS: Porto Alegre, 2000. p. 285
2 SEITENFUS, Ricardo. Opus. Cit,. p. 308
3 FALCÃO, João. O Brasil e a 2a. Guerra. Testemunho e depoimento de um soldado convocado. UNB: Brasília, 1998. p. 83
4 SEITENFUS, Ricardo. Op. Cit,. p. 309
5 FALCÃO, João. Op. Cit,. P. 84
6 Agressão – Documentário dos fatos que levaram o Brasil a Guerra: Imprensa Nacional, 1943.
7 Falcão, p 122
10 comentários:
Olá Fernanda, eu de novo. Adorei este post, tava achando falta de coisas sobre a verdade no Brasil.
Passe lá no meu blog que eu tenho uma surpresa para vc.
beijos
Paula
Excelente post.Muitos professores de história precisam ler isso, pensam que o Brasil foi agredido antes e posteriormente declarou guerra.O ataque ao Taubaté realmente não uma agressão, já que o governo alemão se comprometeu a pagar os prejuízos.
O problema é que o mito dos americanos terem feito os ataques ainda é muito latente aqui.Se foi algo da quinta coluna que deu certo no Brasil foi a propaganda que foram os americanos que torpedearam nossos navios e infelizmente muitos cegos para a verdade crêem nisso e repassam para alunos como uma verdade, da mesma forma que passam que fomos atacados antes...
Enfim, seu blog está show de bola!Excelente, muito tem servido para enriquecer meus conhecimentos acerca deste fantástico assunto que é a SGM.
Fernanda, muito legal o seu blog! peguei o link no blog do meu irmão o "Cenas de Guerra". Não sou historiadora de guerra, mas me afeiçoei ao assunto por conta do meu irmão e do meu marido. Mas adoro coisas antigas, e um blog sobre isso é muito interessante! Parabéns!
Sophia
ps. o blog chama-se CENAS DA GUERRA.
http://cenasdaguerra.blogspot.com/
Colegas! Grata pelos comentários. Sophia, o BLog do seu irmão e do seu marido tá bem bacana! Valeu por indicar o endereço.
Abraços!
Fernanda, obrigado pela visita. É um prazer linkar o seu blog. Realmente, é um trabalho digno de nota, com muita pesquisa e fontes indicadas. Parabéns. Visitarei mais ainda.
Ah, sim! Só para esclarecer, meu amigo Adriano é quem colabora no Cenas da Guerra. O marido da minha irmã é outra pessoa.
Abraços!
Heber
P.S.: Você citou uma pessoa chamada Oriza. Eu não a conheço ainda. Você poderia me passar o endereço do site dela?
A propósito desse assunto, você provavelmente deve conhecer a obra "Aliança Brasil-Estados Unidos - 1937-1945", de Frank McCann, um livro muito bom. Há também um artigo dele muito interessante chamado "Brazil: The Forgotten Ally", disponível neste endereço: http://www.tau.ac.il/eial/VI_2/mccann.htm. Neste artigo, ele critica o desmerecimento por parte de certos autores (como o jornalista William Waack) à participação do Brasil no conflito.
Abraços!
Fernanda, obrigado pelo endereço. Vou olhar com calma depois. A propósito de filmes, aqui estão meus dois álbuns do Orkut com todos os filmes que tenho no acervo.
http://www.orkut.com.br/Main#Album.aspx?uid=2189257831636499146&aid=1223405418
http://www.orkut.com.br/Main#Album.aspx?uid=2189257831636499146&aid=1223479590
Abraços!
Heber
P.S.: O "Das Boot" (O Barco), eu tenho apenas o DVD. Tinha ouvido falar que o filme é muito bom. Mas o DVD é uma versão expandida, com muitos minutos a mais. Acabei achando que ficou um pouco chato. Com certeza a versão original para o cinema seria melhor.
Ola, eu possuo este livro original em otimo estado de conservação "Agressão - Documentarios dos fatos que levaram o Brasil à guerra", e gostaria de entrar em contato sobre uma possivel venda do mesmo, ou alguma pessoa que gostaria de compra-lo.
Entre em contato com o email rodrigo_mhk@hotmail.com
Prezada Fernanda
Vejo em você, com muito orgulho, o amadurecimento de uma nova geração de historiadores, compromissada com os fatos históricos que envolveram a participação brasileira na II GM, acima de quaisquer ideologias e teorias conspiratórias.
Sou o produtor do documentário O "Lapa Azul" (http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Lapa_Azul e www.lapaazul.com)que retratou a saga do III Btl do 11º RI na FEB. Nesse trabalho, entrei em contato com diversos historiadores e pude verificar a importância do profissionalismo nessa área.
Meus parabéns.
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