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Memórias do Front: março 2010

O objetivo deste blog é resgatar, através de artigos, histórias de pessoas que se envolveram no maior conflito da História - A Segunda Guerra Mundial - e que permaneceram anônimas ao longo destes 63 anos. O passo inicial de todo artigo publicado é um item de minha coleção, sobretudo do acervo iconográfico, a qual mantenho em pesquisa e atualização. Os textos originados são inéditos bem como a pesquisa que empreendo sobre cada imagem para elucidar a participação destes indivíduos na Guerra.

domingo, 21 de março de 2010

Tenente Hugo Alves Correa: um comandante de Pelotão na FEB.

“No dia 28 de abril de 1945 durante a posse de Caiamo, foi o seu pelotão que mais se aproximou daquela localidade e graças aos preciosos fogos de suas armas automáticas, puderam outros nossos elementos conquistar a referida localidade. O tenente Hugo é um oficial jovem, bravo e tem revelado grande ardor combativo”.[1]


Os homens corriam enquanto a Artilharia bombardeava o alto do morro. Se houvesse um observador naquelas encostas naquela manhã certamente ele conseguiria ouvir, mesmo com o ensurdecedor barulho do bombardeio, a respiração ofegante de homens que subiam metro por metro a íngreme encosta da cota 722. Era necessário ser rápido e preciso: aquele era um objetivo a cumprir dentro de um plano maior que previa a eliminação dos alemães nos apeninos italianos. O aspirante Hugo Correa liderava o pelotão que avançava metro por metro carregando seu pesado equipamento. Por ultimo seguia o sargento Andirás Nogueira, guiando os retardatários do pelotão e cuidando da retaguarda. Era uma manhã do dia 5 de março de 1945 e esta foi a missão confiada ao aspirante Hugo Alves Correa naquele dia. Esta é a história de um militar que participou ativamente dos combates em que a Força Expedicionária Brasileira se envolveu entre 1944 e 1945 na II Guerra Mundial.


Em uma manhã de 4 de novembro de 1944, a turma de aspirantes a oficial de 1941 da Escola Militar do Realengo reunia-se no pátio da escola para a sua formatura. Aqueles vários cadetes foram considerados aptos a seguir com a carreira militar e foram, durante três anos, treinados intelectual e fisicamente para se tornarem valorosos comandantes de pelotão. O instrutor chefe da escola anunciou que esta turma seria contemplada com 10 vagas para o Depósito de Pessoal da Força Expedicionária Brasileira, ou seja, dez homens naquele dia ganhariam os seus passaportes para a Segunda Guerra Mundial. Uma lista de nomes foi lida; nela constava o nome de dez aspirantes cuja trajetória na Academia havia sido de louvor. O nome de Hugo Alves Correa foi lido logo em seguida. Ele seria um dos dez homens que partiria em breve para o teatro de operações europeu e se reuniria junto a Força Expedicionária Brasileira na Itália.

O tempo correu e os preparativos eram muitos. Havia a necessidade de se confeccionar um novo uniforme além dos tramites burocráticos típicos de uma saída repentina. Em 22 de novembro o aspirante Hugo embarcava no navio de tropas General Meighs e dois dias depois via, de longe, a Baia de Guanabara como ultima visão de seu querido Brasil. A viagem transcorreu normalmente e, naquela altura, o Atlântico parecia um ambiente livre da ameaça dos outrora temidos u-boats. Chegando a Nápoles dia 7 de dezembro de 1944, os homens só desembarcaram dois dias depois, quando finalmente pisavam em terra firme e eram transferidos para um acampamento intermediário. O frio logo surpreendeu a todos e mostrou àqueles homens que a tarefa não seria fácil.

O acampamento permanente foi estabelecido em um acampamento próximo a Pisa, no final do mês de dezembro. Naquela altura da guerra o Marechal Mascarenhas de Moraes já possuía o comando global de sua divisão bem como liberdade de ação total. Em dezembro, o comandante do IV Corpo de Exército havia decido empregar ofensivamente todo o 1º DIE ampliando, conseqüentemente, o setor brasileiro.

Na noite de 1º para 2 de dezembro a maioria desta tropa foi colocada em linha ficando apenas os elementos do Depósito de Pessoal nos acampamentos afastados do front. A FEB atuava, em dezembro, em uma linha de 18kms no vale do Rio Reno, nas proximidades de grandes elevações como Castelo e Belvedere. Ao mesmo tempo em que o Marechal Von Rundstedt dirigia a ofensiva alemã na floresta das Ardennas, em meados de dezembro no limite França-Bélgica, também na Itália houve a tentativa de uma ofensiva para barrar o avanço aliado. O marechal Kesselring desfechava na noite de 25/26 de dezembro uma operação de magnitude para desviar a atenção aliada de Bolonha e capturar Livorno, um dos melhores portos italianos. A partir de 13 de dezembro até meados de fevereiro a ação da Força Expedicionária Brasileira resumria-se a patrulhas e ao constante contato com o inimigo. O frio, na realidade, era um dos grandes inimigos dos soldados, com temperaturas de até 18 graus abaixo de zero.

No acampamento de Pisa os aspirantes, mais familiarizados com o armamento americano, foram utilizados para treinar os soldados brasileiros no manejo das armas e nas condutas de guerra entre o final de dezembro e fevereiro. No dia 17 de fevereiro, o aspirante Hugo recebeu a noticia de que seria transferido para o 6º Regimento de Infantaria a fim de comandar um pelotão de fuzileiros nas ações que a guerra trazia consigo. Ele recebeu o comando de um pelotão veterano: era o segundo pelotão da II Companhia do 6º RI cujos homens já haviam participado de combates em Camaiore, Barga e Monte Piano e estavam resistindo em uma linha cerrada de trincheiras e fox-holes no rigor do inverno

A posição defensiva de Hugo era angustiante. Bombas alemãs espocavam aqui e ali para lembrá-los do rigor da guerra. Patrulhas saiam de acordo com as ordens do batalhão ou para explorar o terreno ou para contatar o inimigo. O frio era a parte mais atroz de todo o cenário: aquele inverno de 1944-1945 foi um dos mais rigorosos nas ultimas décadas na Europa. Os soldados aguardavam dias melhores que a primavera iria trazer para que pudessem expulsar os alemães de suas posições bem defendidas no alto dos cumes dos apeninos italianos.

O período defensivo em que a FEB esteve envolvida, de acordo com o comandante Lucian Truscott, não significava o intervalo da luta. Na verdade, tanto alemães quanto aliados estavam reunindo suas forças para os combates da primavera. Ele lembrou que a artilharia alemã se fazia muito presente bem como o uso de morteiros e era necessário, em muitos locais, a utilização de cortinas de fumaça durante o dia para impedir que as linhas aliadas fossem alvo fácil da artilharia alemã. Este depoimento é encontrado na maioria das memórias escritas por veteranos e o clima foi um fator bastante grave durante todo o período. As noites frias desolavam os homens e as patrulhas mantinham a sensação de que guerra estava bastante presente. Cesar Maximiano descreveu com bastante exatidão a situação dos soldados brasileiros naqueles dias: “os Fox-holes eram profundos e forrados com feno, reforçados com sacos de juta cheios de terra, pedras, troncos de árvore e telhas de metal corrugado, se disponíveis. (...) por mais que um soldado se empenhasse em melhorar a sua posição, a lama e o frio que oscilava entre 15 e 25 graus negativos imperavam na linha de frente. Além do desconforto físico, o frio poderia comprometer a eficiência do combatente. [O soldado] temia enregelar as mãos e não poder usar a metralhadora”.[2]


A fase estacionária da guerra terminou para Hugo em março de 1945. Como parte da ofensiva de primavera, o 1º DIE ficou responsável por três objetivos a serem desempenhados: A conquista de Monte Castelo e Monte Belvedere antes do final de fevereiro seguido na limpeza do vale do Marano seguindo a direção de Santa Maria Villiana – Monte della Croce; e na terceira fase as tropas brasileiras passariam novamente ao ataque, tendo como objetivo Torre de Nerone – Castelnuovo, com a eliminação de Soprasasso. Para este terceiro objetivo o pelotão comandado pelo aspirante Hugo teve como tarefa conquistar a cota 722 entre o Soprassaso e Castelnuovo de modo a isolar os alemães entrincheirados naquela cota impedindo a comunicação e o auxilio destes aos alemães entrincheirados em Castelnuovo. Lá os alemães dispunham de ótimos abrigos e observatórios, fora os extensos campos minados ao redor do Vale de Morano e na região de Soprasasso – Castelnuovo. Na foto ao lado é possivel observar a ingrime encosta de Castelnuovo. No dia 4 de março o pelotão de Hugo iria fazer uma rápida patrulha a fim de explorar o terreno que seria percorrido no dia seguinte, quando a ofensiva fora marcada. Antes de saírem encontraram outro pelotão que retornava e, de acordo com Hugo “a patrulha mal conseguira deslocar-se, tal era o poder de fogo do inimigo. Foi uma ducha fria sobre a minha cabeça. O cansaço domina a mente e, apesar do insucesso desta patrulha, consegui dormir durante a noite sentado de encontro a uma parede”.[3] O aspirante Correa aguardava, na verdade, o amanhecer do dia que o levaria a ter contato direto com os alemães.

A preparação do ataque foi feita por uma intensa barragem de artilharia. Ela continuaria enquanto os homens subissem a íngreme encosta da cota 722 e cessaria assim que eles lá chegassem. O aspirante Hugo seguiria na frente enquanto os homens o acompanhavam em coluna por um. A íngreme encosta com aproximadamente 500m parecia interminável. Os homens alcançaram o topo do morro no momento em que a artilharia cessou. Ao avançarem sobre os abrigos alemães atirando e gritando, os soldados do aspirante Correa imobilizaram cerca de 15 soldados alemães que rapidamente se renderam aos brasileiros. Todos foram revistados e encaminhados ao PC do Batalhão. A rápida ação comandada pelo aspirante Correa lhe rendeu a Cruz de Combate de 2ª Classe naquele dia. Ao longo do dia as batalhas evoluíram em diversos pontos da ofensiva e culminaram no final da tarde, quando soldados do Iº/6º RI penetravam em Castelnuovo e simultaneamente em Soprasasso. Castelnuovo foi conquistado por volta das 19 horas e acentuou os louvores do Gen. Crittenberger as ações de guerra do 1º DIE.

Após esta ação, o pelotão de Hugo foi transferido para Capela de Ronchidos e em 14 de março ele recebeu ordens para freqüentar um curso de Comandante de Pelotão oferecido pelos americanos em Santa Ágata di Gotti, próximo de Roma. Este curso tinha como objetivo aprimorar os soldados aliados nas ultimas técnicas de combate desenvolvidas pelos americanos. O curso era bastante prático e puxado. Os exercícios eram feitos com munição de verdade e sua duração era de 4 semanas. Ao termino do curso, Hugo retornou ao seu pelotão que a esta altura já estava na região de Selegara.

Por esta época, em reunião no dia 8 de abril, ficou esclarecido que a 1º DIE estaria responsável pela captura de Montese, Cota 888 e Montello dentro da Operação Artífice, codinome dado aos aliados a ofensiva da primavera. A data da ofensiva brasileira ficou marcada para 14 de abril, o chamado ‘Dia D’ na Itália. Nesta noite a infantaria brasileira enfrentou um dos piores contra-ataques alemães, com fogo de morteiros, granadas e artilharia na região de Montese. Apesar do esforço do Batalhão de Engenharia, muitas vidas foram ceifadas com as minas ao longo da jornada do dia 14. A euforia da conquista de Montese se apoderava de todos os oficiais brasileiros, mas parte da missão ainda estava incompleta: a capitulação de cota 88 e Montello.

Na manhã do dia 15 a tropa brasileira faz nova arremetida contra o complexo de Montese, com o objetivo de conquistar cota 88 e Montello que ofereciam forte resistência alemã. De fato, aguerrida foi a batalha contra os germânicos, pois a perda destes importantes locais significava o fim da guerra para o exercito alemão na Itália. Durante todo o dia 15 calculou-se a queda de mais de três mil e duzentos projeteis de artilharia alemã no setor da 1º DIE. Graças a esta resistência, as baixas ao longo do dia foram de 129 brasileiros. A luta por Montello prossegue durante o dia 16 e o pior inimigo das tropas brasileiras se chamava Schuhmine: a temida mina alemã feita de madeira, que não podia ser detectada pelos detectores de metais e que costumava arrancar o pé de um homem e que estava espalhada por toda a área de Montese – Montello.

A conquista de Montese pela FEB foi a etapa de maior importância na operação aliada da primavera. Ela contribuiu para a fixação das tropas em uma região de grande importância, obrigaram o inimigo a fazer uso em grande escala de munição e custou muito aos brasileiros: em três dias de luta perderam-se 426 soldados entre mortos e feridos. Foi o episódio mais sangrento suportado pelas forças brasileiras na Itália.[4]

Em prosseguimento as ordens do IV corpo, o 1º DIE segue em 19 de abril para a região de Zocca – Il Monte com o objetivo de capturá-la e prender elementos esparsos do exercito inimigo. Durante este dia, os soldados brasileiros defrontavam-se com a morte, quando corpos de soldados alemães jaziam insepultos no campo de batalha. De vez e outra grande estrondos eram ouvidos: os alemães tratavam de destruir aquilo que não podiam carregar em sua cega retirada. As minas continuavam sendo um problema e o batalhão de engenharia trabalhava sem cessar. Em 21 de abril a cidade de Zocca era conquistada pelos soldados brasileiros, tendo fraca oposição alemã. Enquanto isso, os aliados adentravam a cidade de Bolonha, sendo recebidos pela população que saudava os libertadores.

Neste momento o inimigo se retira apressadamente com o objetivo de atingir o rio Adige e chegar até os Alpes austríacos. Os aliados temiam que a região da Baviera alemã se tornasse um reduto nazista após a queda de Berlim. A notícia de que as tropas nazistas espalhadas pela Alemanha e pela Itália pudessem se juntar nos Alpes fez com que o Gen. Eisenhower mandasse o Gen. Patton avançar sobre a Baviera. Em 23 de abril o 1º DIE recebe ordem de avançar na perseguição ao inimigo, ao sul do rio do Pó.

Durante estes dias a ação foi intensa. Os homens moviam-se constantemente atrás dos alemães e as posições eram totalmente moveis. Hugo comandava os seus homens em ações de assalto e perseguição a pequenos grupos de alemães além de patrulhas de contato com o inimigo. Por sorte, mesmo enfrentando os perigos de uma guerra, Hugo jamais se ferira. Próximo a Gaiano, em 29 de abril de 1945, o aspirante Hugo assistiu a rendição de diversas unidades alemãs e a sua passagem pelas estradas, completamente desarmados. Para Hugo este foi um “espetáculo impar a que assistimos naquele momento! Ficaria gravado na minha memória e guardado como uma das recompensas pela mina participação voluntária naquela aventura guerreira”.[5]

A guerra chegava ao fim naquele final de abril de 1945 para as tropas estacionadas na Itália.


O ano agora é de 2010. O então aspirante a oficial Hugo Alves Correa é hoje um homem de 89 anos que carrega na memória a experiência de ter participado da maior guerra do século XX. Ao retornar ao Brasil este valoroso soldado foi reformado e seguiu a sua vida. Mas as lembranças destas ações permanecem vivas em sua memória. Este texto é uma homenagem a este homem e a todos os que, há 76 anos atrás partiam rumo ao desconhecido, muitos mesmo rumo a morte, para lutar em nome de nosso país e de nossa civilização. Viva o Brasil, Viva a FEB!




[1]Citação da Cruz de Combate de II Classe ganhada pelo 2o Tenente Hugo Correa pelas ações desempenhadas em 5 de março de 1945.
[2] MAXIMIANO, Cesar Campiani. Trincheiras da Memória. Tese de Doutoramento. USP, 2004. p. 127
[3] CORREA. Hugo Alves. Um pelotão de Infantaria em Combate. Edição do Autor. S/d. p. 13
[4] MORAES, J.B. Mascarenhas. A FEB pelo seu Comandante. 2°. ed. Rio de Janeiro, 1960. p. 206
[5] CORREA. Hugo Alves. Um pelotão de Infantaria em Combate. Edição do Autor. S/d. p. 22

quarta-feira, 17 de março de 2010

Engenheiros no Dia D: O batalhão 254º de Combate

A água gelada molhou todo o uniforme e a areia grudava sem perdão no tecido. Em um dia normal isto seria um pequeno empecilho, mas naquele dia os soldados mal sentiam todo o desconforto dos ossos enregelados e da boca cheia de areia. O barulho era ensurdecedor, o inferno parecia estar na terra. Bombas zuniam de um lado para o outro e gritos eram ouvidos sem parar. Os homens tentavam se movimentar, mas a freqüência de tiros zunindo ao redor, de berros e explosões atordoava e confundia os sentidos. Gritos de “Fire in the Hole” podiam ser ouvidos seguidos de mais explosões. Este foi o cenário que um pelotão de engenheiros do Batalhão 254º de Engenheiros de Combate viu na manhã do dia 6 de junho de 1944 nas areias da praia da Normandia, no setor de Omaha.

As vésperas da entrada dos Estados Unidos da América na II Guerra Mundial, a Guarda Nacional do estado americano de Michigan possuía 527 oficiais e 7.673 homens alistados em sua força. Com a entrada dos EUA na guerra após o episódio de Pearl Harbor, os elementos da Guarda Nacional foram transferidos para o Exército americano e se tornaram parte da grande força que iria as terras européias nos próximos anos. Em carta ao governador do estado de Michigan em 1944, o General de Brigada Le Roy Pearson relata que não existem dados específicos sobre a localização de todos estes homens no Exército americano, mas que muitos faziam parte da 32ª Divisão de Infantaria que estava em serviço no teatro do Pacífico. Além destes, os homens de Michigan também faziam parte de um batalhão de engenheiros que participou do Dia D e dos dias subseqüentes aos desembarques na Normandia. Aqui será contada a história deste batalhão, cujo uniforme abre este artigo - como peça de coleção particular -, mas também como um ícone verdadeiro do grande conflito mundial que marcou a história do século XX.

A história do batalhão 254º de Engenheiros de Combate havia começado há muitas décadas atrás. Como parte da mobilização militar dos EUA, o batalhão havia sido criado no final do século XIX com a denominação de Batalhão 107º de Engenheiros, fazendo parte da Guarda Nacional do Estado de Michigan. De acordo com os dispositivos legais, estas unidades estaduais poderiam ser mobilizadas e transferidas para controle federal em caso de guerra com outras nações. Foi o que ocorreu na I Guerra Mundial e voltou a acontecer durante a II Guerra Mundial. Re-designado como Batalhão 254º de Engenheiros de Combate em 1943, os homens foram transferidos para a Inglaterra como parte do plano para a invasão da Europa através do Canal da Mancha.[1] A força total do batalhão era de 32 oficiais e 632 soldados que utilizavam, com orgulho, o símbolo da Guarda Nacional de Michigan em seus uniformes no Braço esquerdo.

O conceito de engenheiros de combate era um atributo utilizado pela primeira vez na II Guerra Mundial. O objetivo destas unidades era promover uma melhor utilização dos recursos humanos em uma batalha. Cada batalhão possuía unidades com atribuições distintas de forma que todo o conjunto pudesse estar envolvido em tarefas diferentes. Os engenheiros de combate eram responsáveis por detecção e desativação de campos minados, pela construção de pontes, abertura de estradas, explosões controladas e serviços topográficos além de uma série de atribuições semelhantes. Estas unidades eram flexíveis e permitiam a economia de tempo em ações que requeriam urgências.

Durante a estadia na Inglaterra, o 254º construiu uma pequena réplica das defesas da Normandia não só para treinar as suas atribuições no grande dia da Invasão como também para treinar as unidades de infantaria e artilharia. O batalhão recebeu ordem para participar da invasão da Normandia em março de 1944 e iniciou os preparativos para o grande dia. Um pelotão do batalhão foi escolhido para acompanhar o 1121º Grupo de Engenheiros de Combate nos desembarques do dia D. Sua atribuição seria a limpeza da praia e a abertura de saídas em setores específicos da praia de Omaha.

Às duas horas iniciais do desembarque eram cruciais. Entre as 6:30 e as 8:30 da manhã dezenas de veículos, homens e engenheiros deveriam desembarcar na praia e realizar o seu serviço. As equipes de engenheiros – 16 no total para as primeiras duas horas – deveriam abrir as brechas de saída da praia em direção ao interior em setores específicos. Cada brecha deveria ter 50m de largura e deveriam ser abertas com explosivos, facilitando a fuga de homens e veículos da linha direta de fogo das casamatas alemãs.[2] Além disso, as equipes deveriam destruir quaisquer obstáculos que estivessem em sua frente como cercas de arame farpado, barreiras anti-tanque, eliminar minas enterradas na areia da praia e os famosos “aspargos de Rommel”, postes de aço que possuíam minas Teller no alto, prontas para explodirem assim que um carro de combate passasse por ali.

As equipes de demolição em Omaha abriram cinco saídas da praia nas primeiras duas horas do desembarque, ao invés das dezesseis planejadas. Mesmo assim, muitas não foram utilizadas pela falta de sinalização e pela intensa fragmentação das unidades de infantaria na praia, muitas com oficiais mortos e sem saber o que fazer.

Naquele dia, um engenheiro de combate assim narrou sua situação, após pular na água do seu transporte que estava sendo alvejado: “o peso das roupas encharcadas, botas, mascara contra gases e o capacete de aço tornaram a medida difícil mas finalmente alcancei água pelos quadris e tentei ficar de pé. Eu estava próximo da exaustão. Finalmente cheguei a terra e tinha percorrido cerca de quatro metros de praia quando um alvo clarão me envolveu. A próxima coisa de que tive conhecimento foi que eu estava deitado de costas olhando para o céu. Tentei me levantar mas não pude e raciocinei: meu deus, minhas pernas foram dilaceradas – pois eu não tinha sensação alguma de movimento e eu não podia vê-las”. Robert Miller,engenheiro de combate, havia sido atingido por um estilhaço na espinha e estava paralitico.[3]

Miller não foi o único engenheiro ferido naquela manhã. Muitos sequer desceram de suas embarcações que foram consumidas por várias explosões antes de chegar à praia. Os engenheiros carregavam, antes de tudo, kilos de explosivos para realizar o seu trabalho o que os tornava um alvo ainda mais mortal caso fossem atingidos. Outros chegaram a praia sem nada nas mãos, apenas a faca de combate no cinto N.A. e com ela realizaram o nobre trabalho de desarmar minas. Isto foi o que sargento Debbs Peters fez ao descer pelas laterais do veiculo de desembarque em chamas. Ao chegar a praia ele tentou correr, mas sua roupa estava tão pesada que ele caiu no chão. Ora caminhando, ora agachando e desviando de projeteis, Peters chegou à muralha de areia onde centenas de soldados se amontoavam a espera da abertura das saídas pelos engenheiros ou na esperança de que as baterias e casamatas alemãs silenciassem. Ao chegar Peters encontrou um major e um capitão de seu batalhão que saíram em busca de uma das saídas. Ao encontrarem, ordenaram a Peters que desarmasse as minas e marcasse o caminho seguro com a fita de marcação. Munido apenas de uma faca, este corajoso engenheiro desarmou várias minas e marcou uma das saídas da praia como segura. Assim como Peters, outros engenheiros de combate faziam o mesmo esquadrinhando o terreno em busca de minas Teller ou minas de caixa e as desarmando com a ajuda das facas de combate.

E assim aquele dia passou. O grupo 1121º de Engenheiros de Combate sofreu grandes perdas naquele dia. Os reforços só chegariam nos dias seguintes; em 8 de junho o restante do 254º Batalhão desembarcou nas praias da Normandia e se pôs a trabalhar freneticamente. Naqueles dias a situação era crítica na frente de batalha. O baixo fluxo de suprimentos e os obstáculos deliberadamente deixados pelos alemães dificultavam ainda mais o avanço das tropas. Uma companhia do 254º construiu em tempo recorde uma nova ponte sobre as fundações da antiga, que foi implodida pelos alemães em sua retirada. Esta ponte era essencial para a ligação entre os setores de Omaha e Utah. Os engenheiros foram durante todo o tempo submetidos a fogo de pequenas armas e artilharia inimiga. Nos dias subseqüentes o trabalho do batalhão foi feito sem cessar. Os acampamentos mudavam com freqüência e os homens tinham pouco tempo de descanso. Era necessário aumentar a freqüência de trabalho para não interromper o avanço das linhas de ataque ao interior da França. O batalhão só retornaria a Inglaterra ao final da guerra.

Após o desembarque na França o trabalho foi complexo. O batalhão auxiliava as divisões de infantaria e em meados de setembro o batalhão adentrava a Alemanha, nas proximidades de Niedersgegen através de uma ponte sobre um curso d’água. Na manhã do dia 22 de setembro forças alemãs destruíram a ponte e minaram a estrada nas proximidades. A batalha pela ponte durou cerca de 24hrs quando os engenheiros puderam novamente estabelecer contato com a outra margem em segurança.

Em dezembro, próximo do Natal, a ofensiva alemã no Bulge fez com que o batalhão fosse empregado como infantaria, por conta da falta de tropas na região. O batalhão conseguiu frear o avanço alemão nos dias subseqüentes e por sua heróica atuação recebeu a Citação Presidencial do Governo Americano e do governo Frances recebeu a citação pela Cruz de Combate francesa representada pelo fourragere que está no uniforme deste artigo. As ações desencadeadas entre 16 de dezembro e o final do mês custaram ao batalhão 28 mortos confirmados, 54 homens desaparecidos e muitos feridos. Três membros do batalhão receberam a Estrela de Prata e 11 soldados receberam a Estrela de Bronze.

Mas a unidade entrou realmente para os anais da história ao construir a primeira ponte sobre o rio Reno em março de 1945. Os alemães haviam destruído parte da famosa ponte em Remagen para frear o avanço aliado. Em 14hrs os engenheiros construíram a ponte militar mais longa da história. Ela se transformou em uma maravilha da engenharia militar com 416m aproximadamente. Em cinco dias de atividade, 6378 veículos em vários comboios passaram pela ponte, incluindo tanques Sherman e infantaria a pé. Março ficou conhecido como o mês das pontes, pois o batalhão construiu outras a medida que se avançava em território alemão.

Com o final da guerra o batalhão foi deslocado para a França a fim de construir campos para abrigar as tropas americanas que seriam enviadas de volta aos EUA ou para o Pacífico. Os campos eram construídos por prisioneiros alemães sob supervisão dos homens do batalhão. Estes valorosos homens retornaram aos EUA no final do ano de 1945 e a unidade foi oficialmente desativada em dezembro de 1945. Muitos destes homens haviam se engajado na Guarda Nacional de Michigan ainda em 1939 e concluíram mais de 5 anos de serviço, além de 11 meses ininterruptos de trabalho na guerra. Os engenheiros de combate provaram ser uma arma indispensável no auxilio das tropas de infantaria durante a guerra. Embora nem sempre sejam louvados como os homens de outras armas que viram a morte mais perto, estes homens merecem todo o reconhecimento por participar do maior conflito do século empunhando facas e objetos não tradicionais, mas que contribuíram de forma decisiva para a vitória final.



[1] http://www.107thengineers.org/History/CombatEngineer/WorldWarII.html
[2] AMBROSE, Stephen. O Dia D. 6 de Junho de 1944. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1997. p. 447
[3] AMBROSE, Stephen. op. cit., p.455