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Memórias do Front: Engenheiros no Dia D: O batalhão 254º de Combate

O objetivo deste blog é resgatar, através de artigos, histórias de pessoas que se envolveram no maior conflito da História - A Segunda Guerra Mundial - e que permaneceram anônimas ao longo destes 63 anos. O passo inicial de todo artigo publicado é um item de minha coleção, sobretudo do acervo iconográfico, a qual mantenho em pesquisa e atualização. Os textos originados são inéditos bem como a pesquisa que empreendo sobre cada imagem para elucidar a participação destes indivíduos na Guerra.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Engenheiros no Dia D: O batalhão 254º de Combate

A água gelada molhou todo o uniforme e a areia grudava sem perdão no tecido. Em um dia normal isto seria um pequeno empecilho, mas naquele dia os soldados mal sentiam todo o desconforto dos ossos enregelados e da boca cheia de areia. O barulho era ensurdecedor, o inferno parecia estar na terra. Bombas zuniam de um lado para o outro e gritos eram ouvidos sem parar. Os homens tentavam se movimentar, mas a freqüência de tiros zunindo ao redor, de berros e explosões atordoava e confundia os sentidos. Gritos de “Fire in the Hole” podiam ser ouvidos seguidos de mais explosões. Este foi o cenário que um pelotão de engenheiros do Batalhão 254º de Engenheiros de Combate viu na manhã do dia 6 de junho de 1944 nas areias da praia da Normandia, no setor de Omaha.

As vésperas da entrada dos Estados Unidos da América na II Guerra Mundial, a Guarda Nacional do estado americano de Michigan possuía 527 oficiais e 7.673 homens alistados em sua força. Com a entrada dos EUA na guerra após o episódio de Pearl Harbor, os elementos da Guarda Nacional foram transferidos para o Exército americano e se tornaram parte da grande força que iria as terras européias nos próximos anos. Em carta ao governador do estado de Michigan em 1944, o General de Brigada Le Roy Pearson relata que não existem dados específicos sobre a localização de todos estes homens no Exército americano, mas que muitos faziam parte da 32ª Divisão de Infantaria que estava em serviço no teatro do Pacífico. Além destes, os homens de Michigan também faziam parte de um batalhão de engenheiros que participou do Dia D e dos dias subseqüentes aos desembarques na Normandia. Aqui será contada a história deste batalhão, cujo uniforme abre este artigo - como peça de coleção particular -, mas também como um ícone verdadeiro do grande conflito mundial que marcou a história do século XX.

A história do batalhão 254º de Engenheiros de Combate havia começado há muitas décadas atrás. Como parte da mobilização militar dos EUA, o batalhão havia sido criado no final do século XIX com a denominação de Batalhão 107º de Engenheiros, fazendo parte da Guarda Nacional do Estado de Michigan. De acordo com os dispositivos legais, estas unidades estaduais poderiam ser mobilizadas e transferidas para controle federal em caso de guerra com outras nações. Foi o que ocorreu na I Guerra Mundial e voltou a acontecer durante a II Guerra Mundial. Re-designado como Batalhão 254º de Engenheiros de Combate em 1943, os homens foram transferidos para a Inglaterra como parte do plano para a invasão da Europa através do Canal da Mancha.[1] A força total do batalhão era de 32 oficiais e 632 soldados que utilizavam, com orgulho, o símbolo da Guarda Nacional de Michigan em seus uniformes no Braço esquerdo.

O conceito de engenheiros de combate era um atributo utilizado pela primeira vez na II Guerra Mundial. O objetivo destas unidades era promover uma melhor utilização dos recursos humanos em uma batalha. Cada batalhão possuía unidades com atribuições distintas de forma que todo o conjunto pudesse estar envolvido em tarefas diferentes. Os engenheiros de combate eram responsáveis por detecção e desativação de campos minados, pela construção de pontes, abertura de estradas, explosões controladas e serviços topográficos além de uma série de atribuições semelhantes. Estas unidades eram flexíveis e permitiam a economia de tempo em ações que requeriam urgências.

Durante a estadia na Inglaterra, o 254º construiu uma pequena réplica das defesas da Normandia não só para treinar as suas atribuições no grande dia da Invasão como também para treinar as unidades de infantaria e artilharia. O batalhão recebeu ordem para participar da invasão da Normandia em março de 1944 e iniciou os preparativos para o grande dia. Um pelotão do batalhão foi escolhido para acompanhar o 1121º Grupo de Engenheiros de Combate nos desembarques do dia D. Sua atribuição seria a limpeza da praia e a abertura de saídas em setores específicos da praia de Omaha.

Às duas horas iniciais do desembarque eram cruciais. Entre as 6:30 e as 8:30 da manhã dezenas de veículos, homens e engenheiros deveriam desembarcar na praia e realizar o seu serviço. As equipes de engenheiros – 16 no total para as primeiras duas horas – deveriam abrir as brechas de saída da praia em direção ao interior em setores específicos. Cada brecha deveria ter 50m de largura e deveriam ser abertas com explosivos, facilitando a fuga de homens e veículos da linha direta de fogo das casamatas alemãs.[2] Além disso, as equipes deveriam destruir quaisquer obstáculos que estivessem em sua frente como cercas de arame farpado, barreiras anti-tanque, eliminar minas enterradas na areia da praia e os famosos “aspargos de Rommel”, postes de aço que possuíam minas Teller no alto, prontas para explodirem assim que um carro de combate passasse por ali.

As equipes de demolição em Omaha abriram cinco saídas da praia nas primeiras duas horas do desembarque, ao invés das dezesseis planejadas. Mesmo assim, muitas não foram utilizadas pela falta de sinalização e pela intensa fragmentação das unidades de infantaria na praia, muitas com oficiais mortos e sem saber o que fazer.

Naquele dia, um engenheiro de combate assim narrou sua situação, após pular na água do seu transporte que estava sendo alvejado: “o peso das roupas encharcadas, botas, mascara contra gases e o capacete de aço tornaram a medida difícil mas finalmente alcancei água pelos quadris e tentei ficar de pé. Eu estava próximo da exaustão. Finalmente cheguei a terra e tinha percorrido cerca de quatro metros de praia quando um alvo clarão me envolveu. A próxima coisa de que tive conhecimento foi que eu estava deitado de costas olhando para o céu. Tentei me levantar mas não pude e raciocinei: meu deus, minhas pernas foram dilaceradas – pois eu não tinha sensação alguma de movimento e eu não podia vê-las”. Robert Miller,engenheiro de combate, havia sido atingido por um estilhaço na espinha e estava paralitico.[3]

Miller não foi o único engenheiro ferido naquela manhã. Muitos sequer desceram de suas embarcações que foram consumidas por várias explosões antes de chegar à praia. Os engenheiros carregavam, antes de tudo, kilos de explosivos para realizar o seu trabalho o que os tornava um alvo ainda mais mortal caso fossem atingidos. Outros chegaram a praia sem nada nas mãos, apenas a faca de combate no cinto N.A. e com ela realizaram o nobre trabalho de desarmar minas. Isto foi o que sargento Debbs Peters fez ao descer pelas laterais do veiculo de desembarque em chamas. Ao chegar a praia ele tentou correr, mas sua roupa estava tão pesada que ele caiu no chão. Ora caminhando, ora agachando e desviando de projeteis, Peters chegou à muralha de areia onde centenas de soldados se amontoavam a espera da abertura das saídas pelos engenheiros ou na esperança de que as baterias e casamatas alemãs silenciassem. Ao chegar Peters encontrou um major e um capitão de seu batalhão que saíram em busca de uma das saídas. Ao encontrarem, ordenaram a Peters que desarmasse as minas e marcasse o caminho seguro com a fita de marcação. Munido apenas de uma faca, este corajoso engenheiro desarmou várias minas e marcou uma das saídas da praia como segura. Assim como Peters, outros engenheiros de combate faziam o mesmo esquadrinhando o terreno em busca de minas Teller ou minas de caixa e as desarmando com a ajuda das facas de combate.

E assim aquele dia passou. O grupo 1121º de Engenheiros de Combate sofreu grandes perdas naquele dia. Os reforços só chegariam nos dias seguintes; em 8 de junho o restante do 254º Batalhão desembarcou nas praias da Normandia e se pôs a trabalhar freneticamente. Naqueles dias a situação era crítica na frente de batalha. O baixo fluxo de suprimentos e os obstáculos deliberadamente deixados pelos alemães dificultavam ainda mais o avanço das tropas. Uma companhia do 254º construiu em tempo recorde uma nova ponte sobre as fundações da antiga, que foi implodida pelos alemães em sua retirada. Esta ponte era essencial para a ligação entre os setores de Omaha e Utah. Os engenheiros foram durante todo o tempo submetidos a fogo de pequenas armas e artilharia inimiga. Nos dias subseqüentes o trabalho do batalhão foi feito sem cessar. Os acampamentos mudavam com freqüência e os homens tinham pouco tempo de descanso. Era necessário aumentar a freqüência de trabalho para não interromper o avanço das linhas de ataque ao interior da França. O batalhão só retornaria a Inglaterra ao final da guerra.

Após o desembarque na França o trabalho foi complexo. O batalhão auxiliava as divisões de infantaria e em meados de setembro o batalhão adentrava a Alemanha, nas proximidades de Niedersgegen através de uma ponte sobre um curso d’água. Na manhã do dia 22 de setembro forças alemãs destruíram a ponte e minaram a estrada nas proximidades. A batalha pela ponte durou cerca de 24hrs quando os engenheiros puderam novamente estabelecer contato com a outra margem em segurança.

Em dezembro, próximo do Natal, a ofensiva alemã no Bulge fez com que o batalhão fosse empregado como infantaria, por conta da falta de tropas na região. O batalhão conseguiu frear o avanço alemão nos dias subseqüentes e por sua heróica atuação recebeu a Citação Presidencial do Governo Americano e do governo Frances recebeu a citação pela Cruz de Combate francesa representada pelo fourragere que está no uniforme deste artigo. As ações desencadeadas entre 16 de dezembro e o final do mês custaram ao batalhão 28 mortos confirmados, 54 homens desaparecidos e muitos feridos. Três membros do batalhão receberam a Estrela de Prata e 11 soldados receberam a Estrela de Bronze.

Mas a unidade entrou realmente para os anais da história ao construir a primeira ponte sobre o rio Reno em março de 1945. Os alemães haviam destruído parte da famosa ponte em Remagen para frear o avanço aliado. Em 14hrs os engenheiros construíram a ponte militar mais longa da história. Ela se transformou em uma maravilha da engenharia militar com 416m aproximadamente. Em cinco dias de atividade, 6378 veículos em vários comboios passaram pela ponte, incluindo tanques Sherman e infantaria a pé. Março ficou conhecido como o mês das pontes, pois o batalhão construiu outras a medida que se avançava em território alemão.

Com o final da guerra o batalhão foi deslocado para a França a fim de construir campos para abrigar as tropas americanas que seriam enviadas de volta aos EUA ou para o Pacífico. Os campos eram construídos por prisioneiros alemães sob supervisão dos homens do batalhão. Estes valorosos homens retornaram aos EUA no final do ano de 1945 e a unidade foi oficialmente desativada em dezembro de 1945. Muitos destes homens haviam se engajado na Guarda Nacional de Michigan ainda em 1939 e concluíram mais de 5 anos de serviço, além de 11 meses ininterruptos de trabalho na guerra. Os engenheiros de combate provaram ser uma arma indispensável no auxilio das tropas de infantaria durante a guerra. Embora nem sempre sejam louvados como os homens de outras armas que viram a morte mais perto, estes homens merecem todo o reconhecimento por participar do maior conflito do século empunhando facas e objetos não tradicionais, mas que contribuíram de forma decisiva para a vitória final.



[1] http://www.107thengineers.org/History/CombatEngineer/WorldWarII.html
[2] AMBROSE, Stephen. O Dia D. 6 de Junho de 1944. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1997. p. 447
[3] AMBROSE, Stephen. op. cit., p.455

2 comentários:

Regina Lemos Repórter disse...

Parece que estou vendo um filme de guerra. narração perfeita, excelente publicação.
Parabéns.
regina Lemos

Regina Lemos Repórter disse...

Aula de História com clareza no que se refere à redação do texto.
Parabéns.