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Memórias do Front: agosto 2008

O objetivo deste blog é resgatar, através de artigos, histórias de pessoas que se envolveram no maior conflito da História - A Segunda Guerra Mundial - e que permaneceram anônimas ao longo destes 63 anos. O passo inicial de todo artigo publicado é um item de minha coleção, sobretudo do acervo iconográfico, a qual mantenho em pesquisa e atualização. Os textos originados são inéditos bem como a pesquisa que empreendo sobre cada imagem para elucidar a participação destes indivíduos na Guerra.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Carl Emmernann e o U-172: Patrulha rumo ao Rio de Janeiro

Era um sábado de verão em 1943.[1] Os homens no porto de Lorient estavam nervosos: embarcariam novamente em sua segunda casa, o submarino alemão U-172 com destino às águas do Atlântico Sul, mais especificamente à costa do Rio de Janeiro. A maior parte dos tripulantes era jovem: muitos ainda não haviam entrado na casa dos vinte anos e a maioria não passava de 25. A foto ao lado foi tirada neste 29 de maio. Pode-se observar os tripulantes, com seus coletes salva-vidas, acenando entusiasticamente em direção ao porto.*

Naquele ano, especialmente naquele verão europeu, as perspectivas para os submarinos alemães estavam mais sinistras ao longo de todos os mares navegáveis do globo. As centenas de patrulhas aliadas, lideradas por americanos, caçavam onde podiam a ameaça velada do III Reich. Em contrapartida, em terra, a situação também não era favorável a Wehrmacht: com a derrota em Stalingrado e o avanço no leste detido pelos russos, a esperança de transformar o território eslavo em um grande trigal para a Alemanha através do trabalho subjugado de centenas de homens e mulheres desmoronava. Também as esperanças no oeste não eram as melhores. Os aliados estavam invadindo a Itália e, em breve, Rommel teria a árdua tarefa de estancar o avanço aliado ainda nas praias da França.

Mas em Lorient tudo era festa. Os marinheiros se despediam de suas namoradas francesas ou mesmo de seus parentes alemães. Iam em busca de mais uma presa na imensidão do atlântico.

Em 29 de maio de 1943 partia de Lorient o U-172 comandado pelo Capitão (Kapitänleutnant) Carl Emmernann (foto ao lado). Aquela seria a 5ª patrulha realizada pelo U-172 desde 1942, já sob o comando de Emmernann. Ele conhecia aquele U-boat como ninguém: era praticamente a sua segunda casa onde passara, ao lado de seus comandados, momentos de alegria e terror, de pura adrenalina e alívio imediato. Era ali que combatia seus medos, decepções, alegrias e, era ali, que pensava intimamente em seu futuro. O capitão, em ato simbólico, foi o ultimo a entrar no submarino e fechar sua escotilha. O momento da partida chegara.

O U-172 era um submarino do tipo IX C com 750 toneladas e 76 metros de comprimento. Foi construído nos estaleiros de Bremen e estava ligado a 10ª Flotilha baseada em Lorient, na costa francesa. Para sua defesa possuía um canhão 105mm além de dois outros canhões anti-aéreos de 20mm divididos entre suas duas plataformas. Podia carregar até 22 torpedos. Era tripulado por 44 homens e 4 oficiais. Para navegar na superfície, contava com dois motores a diesel que alimentavam, enquanto ligados, as baterias dos dois motores elétricos que o mantinham submerso.[2] Poderia submergir 14m em 30 segundos. Havia realizado até ali, maio de 1943, quatro patrulhas que culminaram com a destruição e afundamento de 21 navios de várias categorias e nacionalidades nas regiões do Caribe e Atlântico Sul. Por suas atividades durante o ano de 1942, Emmernann recebeu a Cruz de Cavaleiro da Cruz de Ferro em 27 de novembro de 1942.

Naquele ano de 1943 os submarinos alemães já tinham sido responsáveis pelo afundamento de mais de 150 navios aliados de várias categorias, mercantes e militares, totalizando milhares de toneladas de ferro e aço no fundo do mar.[3]

A sorte dos u-boats só começou a mudar a partir do verão de 1943; até então a curva de afundamento de navios X afundamentos de submarinos era permanentemente alinhada ao lado dos afundamentos de navios. Mesmo durante o ano de 1942, com os americanos já na guerra, o período de caça fora bastante fértil. Com a entrada dos EUA e da maior parte dos países latino americanos na guerra, o Almirante Döenitz ampliou o raio de ação dos u-boats para o Atlântico norte e sul. Esses submarinos, em média 5 ou 8, eram deslocados em direção ao Caribe e a costa americana. Além disso, os americanos ainda não estavam totalmente preparados para se defender da ameaça submarina. Não obstante, a formação de comboios começou a ter inicio para a proteção dos navios mercantes. Também as cidades litorâneas passaram a ter blecaute total, como medida anti-submarina.

Mesmo o Brasil foi atingido pela campanha dos u-boats; a partir da segunda quinzena de fevereiro de 1942 os submarinos alemães e alguns italianos entram em atividade no Atlântico norte, nas ilhas caribenhas e ao logo do litoral brasileiro. Em 15 de fevereiro é posto a pique o cargueiro Buarque, ao largo de Norfolk, na costa americana. [4] O torpedeamento do Buarque causou a morte de onze tripulantes. No dia 18 de fevereiro de 1942 foi torpedeado o Olinda também próximo à costa dos Estados Unidos pelo submarino U-432. No dia 25 do mesmo mês o navio Cabedelo desapareceu misteriosamente, com 54 tripulantes. Após a guerra descobriu-se que foi torpedeado pelo submarino italiano, o Da Vinci.[5]

Para coordenar suas atividades no Atlântico, a Alemanha e a Itália criaram a partir de 1° de setembro de 1940, o Comando Superior da Força Submarina no Atlântico, baseado em Bordeuax. Ele coordenava uma vasta área, do litoral de Portugal às Antilhas e ao litoral brasileiro. O comando superior utilizou 32 submarinos durante o período de setembro de 1940 e setembro de 1943.

Para aumentar o raio de ação dos u-boats, durante o ano de 1942 foi desenvolvido um sistema de reabastecimento de combustível para os submarinos: um submarino apelidado de “vaca leiteira” poderia transportar até 600 toneladas de diesel, aumentando assim o raio de ação daqueles submarinos que já estavam em ação nos oceanos. Além disso, a consciência de batalha desenvolvida pelos tripulantes de u-boats fazia com que houvesse racionamento de água e viveres para que se pudesse estender ainda mais a presença nos mares. Claro que tudo dependia do trabalho em equipe: cozinheiros inventavam métodos de aproveitamento total de comida e economia enquanto engenheiros trabalhavam na difícil tarefa de reduzir o gasto de combustível sempre que possível. Os resultados eram visíveis: algumas campanhas chegaram a durar mais de 12 semanas.



A vida dentro de um submarino não era fácil: os períodos de lazer e ar puro tinham validade de ouro. Como pela escotilha só entrava um marinheiro de cada vez, em caso de emergência e necessidade de submergir, não poderia haver muitos homens no deck. Logo, os momentos de relaxamento do submarino eram extremamente valorizados. A imagem que ilustra este artigo nos mostra o capitão Emmermann (de quepe na imagem) e outro tripulante desfrutando de um raro momento deste. O verso da foto nos indica a direção que o submarino iria tomar: nela está escrito “Rio de Janeiro, verão 1943”.












Naquele sábado o submarino partia para seu objetivo designado como “Patrulha do Rio”. O objetivo desta patrulha era claro: aumentar o raio de ação dos u-boats no Atlântico Sul, especialmente na costa brasileira, devido ao intenso movimento de navios cargueiros entre o Brasil e a América do Norte e a Europa. Para os aliados a patrulha ficou conhecida como a Blitz de Julho.

A “patrulha do Rio” a qual o U-172 fazia parte e havia zarpado naquele 29 de maio de Lorient, levava consigo outros 9 submarinos que deveriam operar próximos a costa brasileiras. O comandante da 4ª Frota, Almirante Ingram, responsável pela defesa do Atlântico sul, decretou em 25 de junho estado de alerta submarino em todo o trecho do litoral entre Salvador e a Baía de Guanabara. “A blitz de junho, como o Almirante Ingram a denominou, fora projetada por Döenitz para atuar ao largo da costa brasileira, interessando as Guianas e o Estuário do Amazonas, estendendo-se mais para leste, até o litoral do Maranhão, onde se verificou a maior concentração de u-boats inimigos”.[6]

O saliente do Nordeste brasileiro serviu aos aliados enormemente durante a guerra. Já no ano de 1942 as bases aéreas na Bahia e em fortaleza abrigavam vários esquadrões de patrulha e ataque a submarinos, pertencentes à Força Naval da 4ª Esquadra do Atlântico Sul, coordenada pelos americanos. Devido ao catastrófico mês de março no Atlântico norte, as medidas anti-submarinas foram aumentadas e em maio de 43 dois esquadrões de patrulha e ataque foram distribuídos no nordeste Brasileiro. Esperava-se que, com o combate dado a Blitz submarina no atlântico norte a partir de abril, que os u-boats transferissem sua área de operação para o atlântico sul. E a assertiva dos aliados estava correta.

O U-172 e sua tripulação foram reconhecidos em águas brasileiras em 28 de junho quando o mercante inglês Vernon City foi afundado a 550 milhas do cabo de São Roque. Antes disso, o U-172 havia recebido suprimentos em algum ponto entre os Açores e o saliente nordestino.[7] Com o afundamento do Vernon City, a tonelagem total de afundamentos de Emmermann foi a 169.102 mil toneladas e com isso estava apto a receber as Folhas de Carvalho da Cruz de Cavaleiro da Cruz de Ferro. A citação foi recebida pelo capitão em alto mar, no dia 4 de julho de 43.

Em seguida, em 12 de julho, no litoral de São Paulo o U-172 afunda o cargueiro americano African Star, na localização de 25º 46' S 40º 35' W. No dia 15 de julho, a 620 milhas do Rio de Janeiro, o U-172 afundou o navio britânico HARMONIC. Emmermann deu a ordem de que a tripulação do Harmonic abandonasse o navio e só após ele foi afundado. A tripulação do Harmonic, distribuída em barcos salva vidas, recebeu viveres e a direção ao qual prosseguir a fim de encontrar terra. Apenas um homem morreu. Em 24 de julho outro navio britânico foi atacado. Desta vez foi o FORT CHILCOTIN com 7,133 toneladas. Este foi o último navio reclamado por Emmermann em sua missão.

Continuando sua missão aos arredores da costa brasileira, no inicio de agosto o U-172 recebe uma mensagem para se encontrar com dois outros submarinos: o U-185 e o U-604. A epopéia do U-604 havia se iniciado no inicio de agosto. Comandado pelo capitão Horst Hölting, que deveria patrulhar a costa brasileira por um período de 4 semanas, o U-604 foi surpreendido em 30 de julho por um bombardeiro Ventura que fazia uma varredura anti-submarina. Imediatamente quatro bombas foram lançadas pela tripulação do Ventura acertando o U-604. O capitão Hölting pede auxílio ao Comando Geral Submarino que lhe promete um encontro com o U-185 e o U-172. O U-185 se encontrava próximo a costa de Alagoas e havia afundado um navio do Loíde Brasileiro em 31 de julho. A troca de mensagens foi captada pelo Comando da 4ª Esquadra que se pôs a preparar o ataque aos submarinos.

O U-604 continua sendo perseguido até 4 de agosto. Já localizado, o U-185 se envolve em escaramuças com um destróier em 6 de agosto. Pelos próximos dias os dois u-boats passam despercebidos até que em 11 de agosto o U-185 e o U-604 conseguem se encontrar em alto mar. Os homens do U-604 trabalhavam duro para transportar as provisões e combustível ao U-185, a fim de afundar o seriamente avariado U-604. Algumas horas depois chega ao local o U-172 que deveria receber parte da guarnição do U-604 e leva-la de volta a Lorient.

Os marinheiros suavam frio: depois de dias de caçada incansável pelos aliados, havia a esperança de retornar a salvo as bases na França. O encontro com o U-185 e o U-172 de Emmermann significava isso. A tarefa estava quase completa quando os marinheiros de plantão, na torre, distinguem a silhueta de um avião no horizonte. Era um Liberator B-24 responsável pela patrulha no Atlântico. Por coincidência, sua tripulação era a mesma que havia caçado o U-185 desde 3 de agosto e havia partido da base de Natal.[8]

O B-24 surge no horizonte metralhando os três submarinos e procurando o melhor momento para lanças as suas bombas. Os segundos são de desespero. Alguns membros da tripulação do U-172 são feridos e Emmermann ordenou a imediata submersão do U-172 que ainda não havia sofrido nenhuma avaria de batalha. Por enquanto. Por efeito das bombas, que não o atingiram diretamente, o U-172 reportou problemas em alguns instrumentos e em duas baterias elétricas.[9] Enquanto isso o U-185 tentou proteger-se ao mesmo tempo que protegia o U-604. Suas medidas surtiram efeito: com suas baterias antiaéreas o B-24 foi derrubado e, alguns minutos depois, a tripulação do U-604 afundou seu submarino, transferindo-se para o U-185. Com lotação total, novo encontro é definido entre Emmermann e August Maus, comandante do U-185, para que nova transferência de homens fosse feita. Em 12 de agosto a tripulação do U-172 recebeu a bordo pouco mais de 20 homens do U-604.



Com excesso de tripulação, o U-172 inicia sua viagem de retorno a Lorient. Por volta do final do mês de agosto Emmermann e tripulação se encontram com o U-847, um submarino de 1.200 toneladas que estava em viagem para o Pacífico. O U-172 solicitou cerca de 30 toneladas em combustível do U-847. Após esse encontro o U-847 não mais foi visto e o Comando de Submarinos perdeu o contato com ele. Mais tarde se soube que foi afundado em 27 de agosto, sem sobreviventes.

A viagem de volta contou ainda com mais alguns transtornos: quase metade da tripulação adoeceu com fortes cólicas e febre alta. Também houve um encontro noturno com um submarino não identificado, próximo a Gibraltar. Foi efetuada a sinalização de reconhecimento diversas vezes, no entanto o submarino tardou a responder. Quando o fez, a tripulação do U-172 reportou erro na sinalização utilizada. Sem saber ao certo quem estava no horizonte, o U-172 submergiu e mudou de direção. É possível que o submarino não-identificado tenha sido o U-181 comandado por Wolfang Lüth.[10]

Próximo à costa da Espanha, o U-172 passou a navegar em superfície apenas durante a noite. Durante o dia permanecia submerso, sendo alimentado pelos motores elétricos. A medida era necessária, pois os aliados haviam posto bastante pressão aos submarinos alemães que circulavam próximos a costa espanhola. Muitos submarinos foram afundados poucos dias após deixar suas bases na França. Mas o U-172 chega salvo a Lorient em 7 de setembro de 1943, depois de 102 dias no mar. De todos os submarinos mandados à costa brasileira na “Patrulha do Rio” em 29 de maio, U-172 e sua tripulação foi o único submarino que retornou à salvo a sua base.


[1] Report on the Interrogation of Surbibors from U-172. Sunk 13 December 1943. Navy Departament, Washington. Final Report, G/Serial 29. April 1944. Disponível em http://www.uboatarchive.net/
[*] Todas as imagens utilizadas neste artigo são inéditas e pertencem a coleção pessoal de Fernanda Nascimento.
[2] http://www.u-historia.com/
3 MASON, David. Submarinos Alemães: A Arma Oculta. RENNES, Rio de Janeiro, 1975.
[4] SEITENFUS, Ricardo. A Entrada do Brasil na II Guerra Mundial. EDIPUCRS, 2000. p. 308
[5] FALCÃO, João. O Brasil e a 2a. Guerra. Testemunho e depoimento de um soldado convocado. UNB: Brasília, 1998. P. 83
[6] DUARTE, Paulo de Q. Dias de Guerra no Atlântico Sul. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1968. p. 238
[7] Report on the Interrogation of Surbibors from U-172. Sunk 13 December 1943. Navy Departament, Washington. Final Report, G/Serial 29. April 1944. Disponível em http://www.uboatarchive.net/
[8] DUARTE, p. 267.
[9] Report on the Interrogation of Surbibors from U-172. Sunk 13 December 1943. Navy Departament, Washington. Final Report, G/Serial 29. April 1944. Disponível em http://www.uboatarchive.net/
[10] Ibid.

VEJA TAMBÉM

>> Alfred Veith: Piloto da Luftwaffe

>> Soldado Francisco de Paula: a Artilharia na FEB

>> Rosser I. Bodycomb – Piloto de combate da 15ª Força Aérea.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Soldado Francisco de Paula: a Artilharia na FEB

O então soldado Francisco de Paula identificação militar nº 1G-192925 embarcava, naquela noite de 30 de junho de 1944, no transporte de tropas General Mann com destino ignorado. Pudera, já que todo o cuidado era pouco a fim de escapar dos tenazes torpedos dos u-boats alemães que circulavam pelo oceano atlântico desde 1942. Francisco, como outros 5.075 homens, era membro da 1ª Divisão Expedicionária da Força Expedicionária Brasileira que embarcava rumo ao teatro de guerra. Francisco não poderia adivinhar que seu rosto e sua função seriam destacados pelo fotógrafo de guerra Pvt. Laurence V. Emery em 29 de setembro de 1944 nesta bela imagem que temos ao lado. É o soldado Francisco de Paula carregando um canhão 105mm com um recado aos alemães: A Cobra está Fumando![1]

Francisco, natural do Rio de Janeiro fazia parte da Artilharia Divisionária que acompanhava o 1º DIE na Itália. A artilharia brasileira era composta de quatro grupos de obuses e armada principalmente com peças de 105mm. A exceção era o 4ª Grupo de Obuses (GO) composto por peças de 155mm. Cada grupo possuía 12 peças, dividido em 3 baterias de quatro canhões cada.[2] A artilharia brasileira era formada por grupos recém criados tanto no estado do Rio de Janeiro quanto em São Paulo durante o ano de 1943. A exceção era o grupo proveniente do Grupo Escola, com base no Rio de Janeiro, já existente.[3] O grupo de Francisco era o 2º GO, o primeiro a embarcar para a Itália e participar das ações na guerra. O comando da Artilharia Divisionária cabia ao Gen. Cordeiro de Farias.

Isso se explica pela necessidade de adequar o Exército Brasileiro as diretrizes norte-americanas tanto de armamento quanto de pessoal. O Exército Brasileiro amargava desde a década de 20 a morosidade da modernização em seus quadros e armamento. Salvo a Missão Francesa, que reformulou o conceito do Ensino Militar durante a década de 20, o Exército Brasileiro era um apanhado de armamento em pequena quantidade e de diversas origens, de falta de pessoal qualificado além de carências estruturais. Era necessário, para se mandar este exército à guerra, um esforço hercúleo a fim de torná-lo operacional.

Para melhorar o desempenho da artilharia, os canhões de 75mm foram substituídos pelos de 105mm e 155mm. Em complemento uma Esquadrilha Aérea para Observação e Regulação de Tiro foi incorporada aos quadros da Artilharia Divisionária.[4] Todas essas modificações exigiam tempo e pessoal treinado efetuando-se, sobretudo, durante o ano de 1943.

E lá estava Francisco aguardando ordem no navio de tropas, ancorado no porto do Rio de Janeiro. Naquela noite o então presidente do Brasil Getúlio Vargas discursava aos combatentes excitados e ao mesmo tempo amedrontados frente ao futuro incerto que vinha de encontro a sua juventude e vitalidade. As palavras de Vargas ecoavam pelo microfone a bordo do navio. E retumbavam no ouvido dos expedicionários: “É sempre uma glória lutar-se pela pátria e por um ideal. O governo e o povo do Brasil vos acompanham em espírito na vossa jornada e vos aguardam cobertos de glorias” 5


O navio de tropas General Mann chegou ao porto de Nápoles no dia 16 de julho. No mesmo dia foi iniciado o desembarque do primeiro contingente da FEB. A tropa se deslocou para o estacionamento de Agnaro, próximo ao subúrbio napolitano de Bagnoli, fazendo parte do trajeto a pé e parte por ferrovia. A partir daí, vários deslocamentos seriam feitos e treinamentos seriam ministrados aos infantes brasileiros até que, em 12 de setembro veio a ordem de batalha para a FEB: deveria deslocar-se para Ospedaleto, uma região ao sul de Pisa e a 50 km de Vada. Assim, em 15 de setembro, especial data da historia militar brasileira, todo o grupamento tático do 1º DIE deveria substituir as tropas americanas na linha Massaciuccoli – Filettole – Vecchiano, no Vale do rio Serchio6. Era a primeira missão na guerra da Força Expedicionária Brasileira.

E Francisco não tardaria, ele mesmo, a participar da guerra. Em 16 de setembro de 1944 às 14h22min a 1ª bateria do 2º GO sob o comando do Capitão Mário Lobato deu o primeiro tiro da artilharia brasileira em terras européias. E dali por diante a artilharia brasileira faria fama frente aos tedescos.

Afirmou Cordeiro de Farias, comandante da Artilharia Divisionária na Itália: “A melhor artilharia que operou na Itália foi a minha e isso foi dito por oficiais americanos e prisioneiros alemães. Quando os americanos queriam fazer uma nova experiência sempre contavam com a minha tropa”.7

O batismo de fogo do 1º DIE comandado pelo Gen. Zenóbio da Costa ocorre no dia 16 de setembro, com a tomada sucessiva das localidades de Massarosa, Borrano e Quieza, que se achavam em poder dos alemães. As ações não tiveram qualquer complicação e a tropa brasileira continuou progredindo. Elas serviram, no entanto, para elevar o moral da tropa brasileira no seu primeiro confronto vitorioso com o inimigo. A 18 de setembro decide o Gen. Zenóbio ocupar a localidade de Camaiore, importante centro de comunicações e abastecimento dos alemães que controlavam todo o vale vizinho.

Não obstante, o próprio Gen. Zenóbio comandou pessoalmente o avanço do 6º R.I sobre Camaiore. Pegos de surpresa, os alemães não ofereceram resistência, abandonando a cidade e a linha Camaiore – La Rena – Fattoria foi ocupada por elementos do 6º R.I. O objetivo da Força Expedicionária Brasileira era a ruptura da área denominada “Linha Gótica”, uma frente de 250 km, do mar Tirreno ao Adriático guarnecida pelos alemães. O ponto forte desta defesa eram os montes altos, sobretudo no vale do Reno, controlados por diversas divisões alemãs e italianas. Reiniciando sua marcha sobre a Linha Gótica, durante os dias 19 e 20 de setembro a tropa avançou sob fogo de morteiros e artilharia. Durante este avanço, a 20 de setembro, capturam-se os primeiros prisioneiros alemães, desertores da 42º divisão de infantaria. A Força Expedicionária Brasileira também sofreu as primeiras baixas, três praças mortos por estilhaços de granadas8.

Na edição nº 7 de 24 de janeiro de 1945 do jornal editado pela FEB chamado Cruzeiro do Sul é Francisco que ilustra a capa. Sua célebre imagem que hoje ilustra este artigo ilustrou há 63 anos atrás o folhetim da FEB que graciosamente dizia: "A NOSSA RESPOSTA: O tedesco, de vez em quando, despacha para as nossas linhas certos folhetos que procuram desvirtuar a nossa luta, dizendo que estamos errados, que não temos motivo para combater a Alemanha, que tudo é obra dos Estados Unidos. Mas nós, via de regra, também despachamos nossas respostas. Aí vai uma: A Cobra Está Fumando.... Será preciso traduzir para o Alemão? Não, essa mensagem quando chegar nas linhas alemãs, já estará traduzida... A cobra já terá acabado de fumar.. O tedesco sabe como é.... "9

Francisco passaria pelo vale do Rio Sercchio e, no vale do Rio Reno, participaria com louvor da tomada de Monte Castelo em fevereiro de 1945. Para esta conquista a excepcional tarefa da artilharia divisionária, comandada pelo Gen. Cordeiro de Farias foi essencial. Entre as 16 e 17 horas a artilharia transformou o cume de Castello em crateras que desnorteavam o inimigo. Assim descreve Joel Silveira, correspondente de guerra brasileiro instalado no posto de comando avançado junto com os oficiais que acompanhavam a ofensiva:

“As encostas de Castello, cessando o fogo de nossa artilharia, se transformaram numa paisagem lunar. O Major Uzeda continua a avançar sob a proteção de nossos tiros e já agora começam a pipocar as metralhadoras dos seus soldados. (...) as 17h50m a voz do Major Franklin vem, forte, pelo rádio: ‘estou no cume de Monte Castello’ e pede fogo de artilharia sobre as posições inimigas além do monte. Castelo é nosso, me diz o Gen. Cordeiro. (...) Os norte americanos só conquistaram seu objetivo noite adentro, quando os brasileiros há muito tinham completado a sua missão e começavam a ocupar, na crista de Monte Castello as privilegiadas trincheiras e as formidáveis casamatas recém abandonadas pelos alemães, que na sua retirada deixaram em mãos dos soldados mais de 80 prisioneiros”.10

Depois de Monte castelo, a artilharia brasileira teria um papel exemplar também na tomada de Montese, em abril de 1945. A partir do dia 14 até o dia 17 os grupos de artilharia trabalharam sem cessar. Estima-se que os alemães tenham mandado para o setor da 1ª DIE mais de três mil e duzentos projéteis de artilharia. Em contrapartida, Francisco e seus colegas devem ter mandado número similar na cabeça dos tedescos. Montese foi uma das mais encarniçadas lutas que as tropas brasileiras enfrentaram. O mais impressionante era a tenacidade dos alemães naqueles dias que, sem saberem, eram os últimos da guerra.

A conquista de Montese pela FEB foi a etapa de maior importância na operação aliada da primavera. Ela contribuiu para a fixação das tropas em uma região de grande importância, obrigaram o inimigo a fazer uso em grande escala de munição e custou muito aos brasileiros: em três dias de luta perderam-se 426 soldados entre mortos e feridos. Foi o episódio mais sangrento suportado pelas forças brasileiras na Itália.11

Os últimos dias na Itália são narrados com a familiaridade de quem prevê seu fim. Assim nos diz o Tenente Gonçalves do 6º RI: “Nos derradeiros dias do mês de abril, tudo levava a crer que a guerra chegaria ao fim naquela sucessão de vilas e cidades ocupadas em meio a pequenas escaramuças e inimigos que se rendiam. O 6º RI junto aos outros dois regimentos do 1º DIE, vinham libertando uma série de localidades com a estrondosa receptividade dos italianos que festejavam o fim da guerra (...). Nas pequenas cidades libertadas pelo 6º RI e outros regimentos, os italianos recebiam os soldados brasileiros de forma delirante. O vinho corria abundantemente em garrafas e mais garrafas (...). Os sinos das igrejas das pequenas cidades eram soados, as viaturas saudadas com palmas e flores.” 12

Com o término da guerra, em 8 de maio de 1945, Francisco retornou ao Brasil em 18 de julho de 1945. Completou um ano e alguns dias em solo Europeu, do qual oito meses foram a serviço direto de sua pátria mãe executando aquilo que fora treinado: libertar da opressão nazista o solo europeu e trazer os louros da vitória para o seu doce e amado Rio de janeiro.

A foto possui ainda em seu verso a inscrição das fotos de imprensa do tempo da guerra. Diz assim:









VEJA TAMBÉM

>> B-17 Liberty Bell: A saga de um Bombardeiro

>> João Avelino Santos: Um soldado na FEB.

>> Metralhadoras alemãs em ação: MG 34 e MG 42


[1] Imagem da coleção pessoal de Fernanda Nascimento. Mede aproximadamente 25x20cm.
[2] BONALUME NETO, Ricardo. A nossa Segunda Guerra. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1995. p. 135
[3] MORAES, J.B. Mascarenhas. A FEB pelo seu Comandante. 2°. ed. Rio de Janeiro, 1960. p. 7
[4] Ibid. p.14
5 MORAES, op. cit. P. 25-26
6 Ibid. p 68
7 CAMARGO, Aspásia (org). Diálogos com Cordeiro de Farias. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 2001. p. 268
8 BRAYNER, Marechal Floriano de Lima. A verdade sobre a FEB. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 1968. p. 168
9 O jornal é de propriedade do colecionador B. Zarranz. Imagem e informação cedida por B. Zarranz. Meu muito obrigada.
10 SILVEIRA, Joel. MITKE, Thassilo. A luta dos Pracinhas. 3° ed. Record: Rio de Janeiro, 1983. p. 69
11 MORAES, op. cit,. p. 206
12 GONÇALVES, José. MAXIMIANO, César Campini. Irmãos de Armas. Codex: São Paulo, 2005 p. 207-208