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Memórias do Front

Memórias do Front

O objetivo deste blog é resgatar, através de artigos, histórias de pessoas que se envolveram no maior conflito da História - A Segunda Guerra Mundial - e que permaneceram anônimas ao longo destes 63 anos. O passo inicial de todo artigo publicado é um item de minha coleção, sobretudo do acervo iconográfico, a qual mantenho em pesquisa e atualização. Os textos originados são inéditos bem como a pesquisa que empreendo sobre cada imagem para elucidar a participação destes indivíduos na Guerra.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Mensagem Memórias do Front

Caros Leitores!

O Memórias do Front está migrando para um novo endereço: seus textos irão compor a seção de História do blog MILITARIA e HISTÓRIA, ligado ao FRONT ANTIGUIDADES MILITARES. O novo blog tem por objetivo trazer informações técnicas e históricas relevantes aos colecionadores de artigos militares e também aos amantes da História Militar! Em breve a maioria dos textos publicados aqui estarão também publicados lá. Aguardamos sua visita!


Visite o blog MILITARIA e HISTÓRIA

quarta-feira, 13 de abril de 2011

II Encontro de Entusiastas da II Guerra Mundial

Caros Leitores, Estou fazendo a divulgação deste evento. Ocorrerá na cidade de São Bento do Sul, em Santa Catarina, no final de semana dos dias 17 e 19 de Junho de 2011. Estarei presente com uma mesa do FRONT ANTIGUIDADES MILITARES e será um prazer conhecer leitores e entusiastas deste assunto tão fascinante.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Jim F. Burch: tentativa de fuga na França ocupada

No início de 1944, a Força Aérea do Exército dos Estados Unidos enfrentava grande escassez de pilotos e tripulações treinadas para as missões de bombardeios sobre a Europa. Inicialmente, cada homem treinado e enviado para combate, deveria cumprir um tour de 25 missões para receber sua dispensa do serviço militar ou ser transferido de volta aos EUA, para trabalhar no treinamento de novas tripulações. Mas com a escassez de homens treinados, o numero de missões foi aumentado drasticamente para 35 e, por algum tempo, este numero variou em até 50 missões.[1] Para estes homens, treinados arduamente e que enfrentavam quase que diariamente as baterias anti-aéreas alemãs, este número parecia, muitas vezes, uma distante realidade.

Durante o ano de 1943, os aviadores aliados sofreram com a campanha de bombardeamento intenso das áreas ocupadas pelos alemães na Europa, incluindo aí a própria Alemanha. A falta de proteção dos caças e a força da Luftwaffe foram responsáveis pela morte de milhares de tripulações e também pelo aprisionamento de tantos outros. A intensificação de missões aliadas sobre os territórios ocupados fez crescer em quantidade o número de aviadores que, de alguma forma, conseguiam escapar das patrulhas alemãs e se refugiavam nas casas de fazendeiros e moradores locais.[2]

Para estes que não eram presos nas primeiras horas em solo inimigo, existia ainda uma salvação: voluntários ligados a diversos movimentos de resistência organizaram, com sucesso, uma operação que permitia o translado de aviadores desde a Bélgica até Madri ou Gibraltar, onde eram então conduzidos em segurança de volta a Inglaterra e, quiçá, a novas missões de bombardeio. O grupo ficou conhecido como Linha Cometa e possuía integrantes e simpatizantes por toda a Bélgica e parte da França.[3] Embora o grupo não estivesse oficialmente ligado a Resistência Francesa, ambos se conheciam e mantinham uma relação estreita. A linha Cometa sofreu, entre os anos de 1942 e 1944, intenso assedio do serviço de inteligência alemão que intentava destruir o grupo. De fato, centenas de integrantes foram presos até o final da guerra e a maioria foi fuzilada ou enviada a campos de concentração.

A Linha Cometa tinha o apoio do serviço de inteligência britânico e também dos funcionários da Embaixada Britânica na Espanha, que eram responsáveis pelo recebimento dos soldados que eram contrabandeados pela linha até a Espanha. O objetivo da linha era salvar e enviar, em segurança, quantos homens pudesse através de um caminho que atravessasse os Pirineus, na fronteira da Espanha com a França, dentro do território Basco. Aviadores ingleses até 1942 se beneficiaram com os serviços da Linha, mas a partir de 1943 foi constante o aumento de aviadores americanos.

Esta é a história de Jim Burch, co-piloto de um B-17 abatido sobre a França em 10 de outubro de 1943 e resgatado pela Linha Cometa. Sua imagem é a que abre este artigo, tirada em junho de 1943, provavelmente ainda nos EUA. Burch alistou-se no Exército em 4 de abril de 1942, pouco depois da entrada dos EUA na guerra. Tinha 25 anos e era casado. Seu irmão, Billy F. Burch, também se alistou no mesmo dia e ambos escolheram a arma aérea como prioritária.[4] Após meses de treinamento, Burch foi designado co-piloto de B-17 enquanto seu irmão seguiu como piloto de P-38. [5] Jim foi transferido para a Inglaterra por volta de agosto de 1943 enquanto seu irmão seguiu para o pacífico.

Burch voou, já com sua tripulação, diretamente para o aeródromo de Great Ashfield, localizado próximo a Suffolk, base do 385º Grupo de Bombardeio Pesado, ligado a 8ª Força Aérea Americana. O 385º havia chegado na base em junho de 1943 e se estabeleceu rapidamente, com quatro esquadrões de B-17.[6] A tripulação de Burch estava ligada ao 549º Esquadrão de bombardeio pesado. Seu piloto era William Whitlow e os outros oficiais eram o bombardeador Lloyd Stanford e o navegador William Fazenbaker. A primeira missão da tripulação foi o bombardeamento das bases de U-boat em St. Nazaire, na França, no final de setembro de 1943. Após, a tripulação voou apenas para a Alemanha, respectivamente para Emden, Frankfurt, Marienburg e Münster, em 10 de outubro de 1943.[7] Esta seria a sexta missão da tripulação e também sua última.


Bombardear a Alemanha, em 1943, era uma tarefa complexa e aterrorizante. A Luftwaffe ainda não havia sido completamente posta fora de combate, portanto, seus pilotos ainda eram forte ameaça para as formações de bombardeios americanos e ingleses. Geralmente as missões partiam com a proteção de caças, mas a falta de autonomia dos aviões neste período não permitia que fossem além da costa francesa ou do território holandês. Por último, próximo as zonas de bombardeamento, existiam as temíveis baterias FLAK anti-aéreas que começavam a disparar pouco antes da formação entrar no seu alcance.

O ano de 1943 foi bastante crítico para a força aérea americana. Em média, cerca de 4% da força de bombardeio era morta ou desaparecia em ação a cada missão. Durante toda a guerra, a força aérea acumulou uma média de 50% de tripulações que nunca chegaram a completar o mínimo de missões de combate exigidas, ou seja, 25 missões.[8] A expectativa da força aérea era de formar cerca de 100 mil pilotos por ano, mas as exigências físicas e intelectuais barravam constantemente este numero. As brutais missões e o alto número de baixas em todos os esquadrões na Inglaterra tornaram o ano de 1943 um período crítico, sobretudo durante o verão. O aumento de missões significava o aumento de aviões abatidos e a conseqüente chegada de mais aviadores na Linha.

A missão de 10 de outubro reuniu grande parte do efetivo da 8ª Força Aérea americana, estacionada na Inglaterra. Naquele ensolarado domingo, 313 aviões B-17 de diversos grupos foram enviados para a missão.[9] O avião de Burch e Whitlow decolou às 11h25min do aeródromo de Great Ashfield. Alguns aviões, por problemas mecânicos ou pela ação de caças alemães, abortaram a missão e retornaram para suas respectivas bases quando estavam sobre o Mar do Norte. A maioria, porem, seguiu para o alvo primário, a cidade de Münster. Esta cidade concentrava um anel ferroviário bastante importante com ligação para a região industrial do Ruhr. Causar danos a sua estrutura ferroviária significava atrasar a produção industrial de todo o Ruhr por semanas ou até meses. Por conta de sua importância estratégica a cidade era fortemente defendida pela artilharia anti-aérea.

A proteção de caças abandonou a enorme formação de fortalezas voadoras nas proximidades do mar do norte. Houve ainda um atraso da segunda leva de P-47, por conta da neblina na Inglaterra. Após entrar em território alemão, a cerca de 20 minutos do alvo, os primeiros caças da Luftwaffe interceptaram a formação e iniciaram seu ataque. Por volta de 15hrs da tarde, as bombas foram soltas sobre o alvo e os aviões iniciaram o caminho de volta. Os caças da Luftwaffe voltaram com bastante força, atacando a formação. Após soltar suas bombas, o B-17 de Burch, numero de série 42-3539, foi atingido gravemente em um dos motores. Por volta das 15:10, pilotos de outras aeronaves reportaram a perda de altitude e velocidade do B-17 comandado por Whitlow e Burch. Em pouco tempo o motor número 2 estava em chamas e os pilotos não conseguiam manter o controle do avião. Seriamente avariada, a aeronave prosseguiu em vôo caótico, na rota de retorno para a Inglaterra, sofrendo ainda com os ataques de caças da Luftwaffe. A ordem de abandonar o avião partiu dos pilotos pouco tempo depois, já próximo ao território holandês. Outras aeronaves reportaram que 10 pára-quedas foram vistos abandonando o B-17 próximo de Nijverdal, Holanda.[10] Mas esta não foi a sorte da tripulação de Whitlow e Burch.

A situação era muito mais séria. O sistema elétrico do avião não mais funcionava, o oxigênio estava defeituoso e o rádio estava mudo.[11] Com o avião ainda no ar, perdendo altitude e controle rapidamente, os pilotos entraram em contato com os tripulantes para ordenar o abandono do avião. O atirador da torreta giratória da barriga já estava morto ou seriamente ferido. Seu nome era Thomas E. Ennis e Withlow tentou comunicar-se com ele pelo intercom, mas não houve resposta. Ennis havia sido atingido por um estilhaço de uma granada 20mm. Outro tripulante, o atirador Howard E. Walker estava seriamente ferido e não teria saído do avião. Whitlow reportou tê-lo visto no chão do avião, impossibilitado de pular.[12] O bombardeador Lloyd Stanford também reportou que um artilheiro interno e o da torreta da barriga estavam mortos antes do avião cair ou seriamente feridos e não puderam abandonar o avião.[13] Posteriormente veio a se saber que o corpo de Thomas E. Ennis foi encontrado por integrantes da resistência holandesa nos destroços do avião e enterrado nas proximidades do acidente. Robert Richards, artilheiro da cauda, também havia se ferido no vôo, mas conseguiu saltar com o pára-quedas. A foto ao lado é do piloto Whitlow.

Os dois pilotos, Whitlow e Burch, abandonaram o B-17 pelo compartimento de bombas, que estava aberto. Em algum momento antes ou após o salto, Burch machucou seriamente sua perna, embora Whitlow tenha reportado posteriormente que Burch havia se ferido ainda dentro do avião. Lloyd Stanford, o bombardeador, também se feriu ao saltar do B-17. No momento do salto, caças alemães ainda rondavam a fortaleza em chamas e o rádio operador John Ashcraft viu perfeitamente quando um FW190 se aproximou de seu pára-quedas.[14] Naquele dia, o piloto alemão Hans Oeckel operando um Messerschmitt Bf109, anotou em seu diário a derrubada do B-17 de Burch.[15] Oeckel, piloto da unidade Jagdgeschwader (JG) 26, decolou de sua base em Lille, na França, próximo a fronteira belga. Sua missão era atacar as formações de fortalezas voadoras assim que ultrapassassem o canal da Mancha. Hans Oeckel foi ganhador da Cruz de Cavaleiro da Cruz de Ferro por sua atuação na Luftwaffe.

Após o salto, cada tripulante ficou por conta própria. Graças ao intervalo entre os saltos, a distância entre um e outro integrante chegou a três quilômetros. Logo após a queda os tripulantes Robert Richards, William Fazenbaker, Clarence Schaumburg e Willis G. Shaneyfelt, foram feitos prisioneiros de guerra por patrulhas alemãs. Transferidos para campos de prisioneiros na Alemanha, somente retornariam aos Estados Unidos após o fim da guerra, em maio de 1945.

Os outros tripulantes tiveram uma sorte melhor: Lloyd Stanford, Jim Burch, William Whitlow e John Ashcraft foram localizados por membros da resistência holandesa e escondidos das patrulhas alemãs. Lloyd, Burch e Ashcraft estavam feridos, mas só souberam da existência um do outro alguns dias depois, quando as noticias começaram a circular entre membros da resistência. Embora os outros tripulantes feridos tenham sido tratados, Burch não tivera a mesma sorte. Um médico holandês achou que ele tinha uma contusão leve e descreveu apenas repouso, mas 15 dias depois sua perna continuava roxa e inchada. De fato, não havia sinal de um ferimento exterior. Neste momento, iniciou-se a aventura vivida por estes homens em pleno território ocupado pelos alemães.

Poucos dias depois, tanto Burch quanto Stanford foram enviados para a Bélgica, onde foram recebidos por integrantes da Linha Cometa. Foram submetidos a um questionário sobre a missão e postos frente a frente para que os integrantes da Cometa pudessem avaliar sua reação e suas histórias sobre a queda do B-17. Existia um grande medo de que alemães pudessem se infiltrar na Linha disfarçados de aviadores. Embora os integrantes da Cometa tomassem algumas medidas de segurança, a linha era constantemente assediada por espiões alemães que quase paralisaram seus esforços no final de 1943.

No início de dezembro de 1943, iniciou-se a operação para remover Stanford e Burch de Bruxelas. O plano inicial previa a chegada até Paris, onde poderiam então ser deslocados até o norte da França. De Paris, a viagem seguiria até Bordeaux e de lá até Dax, já na França livre aonde um trajeto de 40 km de bicicleta os conduziria até Saint Jean de Luz, cidade fronteiriça com os Pirineus. Da mesma tripulação de Burch, o piloto Withlow e Ashcraft, operador de rádio, haviam, passado com sucesso a fronteira no dia 20/12/1943.

Já na travessia de bicicleta Burch não acompanhou o ritmo e Stanford o acompanhava, atrasando o cortejo. Ao chegar à cidade, caminharam até o campo, no sopé das montanhas, já em território basco. O grupo levaria, além dos pilotos, uma série de documentos elaborados pela resistência com informações destinadas ao serviço britânico de inteligência que incluíam indicações das posições alemãs e fotos das defesas costeiras, construídas ao longo da costa francesa.[16]

Burch estava lesionado, provavelmente no osso, mas os ativistas da Linha Cometa não conheciam totalmente a extensão de seus ferimentos e decidiram que o piloto estava apto para a travessia através dos Pirineus. Por sua vez, Burch decidiu-se manter firme perante as adversidades do caminho.

A travessia foi feita no dia 23 de dezembro de 1943. O principal guia basco para a travessia pelos Pirineus estava doente e não pôde acompanhar o grupo. Nesta noite, 10 homens fariam a travessia até a Espanha, por entre as montanhas. Acompanhava o grupo Jean François, responsável pela Linha Cometa, que iria se encontrar em Gibraltar com representantes do consulado inglês, a fim de discutir uma nova estratégia para a evacuação de aviadores através da França ocupada. Além de Burch e Stanford, outros aviadores estavam também no grupo.

O caminho era tortuoso e difícil. Durante longas horas o grupo subiu a montanha por caminhos entrecortados e dificultados pelo frio e pela chuva. Os homens estavam encharcados e Burch caminhava com muita dificuldade, sempre apoiado por Stanford. A previsão é de que a caminhada durasse aproximadamente 8 horas, portanto, chegariam à Espanha somente ao clarear do dia. Era necessário tomar todo o cuidado, pois na proximidade da fronteira tropas espanholas estavam posicionadas, prontas para abrir fogo ou fazer prisioneiros. Burch caminhava com tanta dificuldade, que pediu a Stanford que avisasse sua família pessoalmente sobre seu destino, caso não sobrevivesse à travessia. Ao lado, a imagem do bombardeador Stanford.

Ao chegarem ao lado espanhol existia ainda um curso d’água que deveria ser atravessado, o Bidassoa. Em geral o rio não oferecia riscos, pois era calmo e raso, mas naquela noite ele estava cheio e com uma correnteza forte. A chuva e o vento foram os responsáveis pela mudança no rio e a travessia pareceu muito perigosa, de repente. O rio tinha cerca de 25m de largura e mais de uma centena de homens já o havia cruzado. A ordem foi para que os homens tirassem suas calças e amarrassem umas nas outras, passando em volta do pescoço, de forma a criar uma corrente protetora para a travessia do rio. Com o aumento do curso d’água, a água chegava à altura do ombro dos homens. A travessia era dificultada pelo leito cheio de pedras e galhos de árvores, que aumentavam a chance de um tropeço.

Burch estava preso a um belga, integrante da Linha Cometa, que iria acompanhar Jean François até Gibraltar. Ele estava muito exausto e quase não parava de pé. A correnteza estava forte e Burch perdeu o equilíbrio uma vez. Sua cabeça mergulhou na água, mas o belga pôde agarrá-lo e colocá-lo em pé novamente. Iniciaram a travessia de novo, mas Burch estava tão cansado e debilitado, por conta de sua perna, que escorregou novamente. Ele gritou por socorro e, debatendo-se na água, puxou o belga para baixo também. Daniel, o belga, soltou a calça que os unia para poder salvar-se e viu Burch se contorcendo e gritando por socorro, sendo puxado pela correnteza. Ele tentou nadar na direção de Burch, mas um tiro de fuzil ecoou pelo rio. Novamente outro tiro foi ouvido e mais um vindo da fronteira espanhola, contrastando com o som da forte correnteza. Daniel aguardou alguns segundos e prosseguiu a travessia, tentando localizar Burch, mas não podia lutar contra a força das águas. Conseguiu concluir sua travessia e chegou à margem espanhola. Lloyd Stanford, o bombardeador da tripulação de Burch, concluiu a travessia em segurança.

O que aconteceu com Burch? Ele foi arrastado, ainda vivo, pela correnteza rio abaixo, em direção a fronteira francesa. Talvez ele tenha sido arremessado contra as pedras da margem e se ferido ainda mais. Ao amanhecer, uma patrulha alemã encontrou dois corpos na margem, próximo a vila francesa de Biriatou, no sopé dos Pirineus. Um deles era Jacques Cartier, um francês de 50 anos, integrante da Linha Cometa, que acompanhava Jean François na travessia; o outro era um jovem de aproximadamente 25 anos, sem identificação. Carregava apenas um lenço com as iniciais J.B. Este era Jim Burch, co-piloto do B-17 abatido sobre a Holanda em 10 de outubro de 1943. Burch morreu afogado. Os alemães penduraram os corpos de Burch e Cartier na igreja da vila de Biriatou com um cartaz escrito “Eis o que sempre acontece com todos os que desafiam o Terceiro Reich”.[17] Os moradores da pequena vila cobriram os corpos com flores e ramos de plantas. Na própria vila existia um grupo autônomo de resistência que escondia aviadores e atravessava a fronteira quando podia. Ao final do dia os alemães levaram os corpos embora e sua localização é desconhecida.

Atualmente, uma lápide no cemitério americano de Cambridge, na Inglaterra, guarda a lembrança da morte de Jim Burch, registrada a 24 de dezembro de 1943.

Naquela noite, a travessia foi caótica, e o resultado foram dois mortos. Na noite do dia 20, Whitlow e Ashcraft efetuaram a travessia sem problemas; posteriormente, na noite do dia 28/12 mais quatro aviadores foram também atravessados sem problemas. Após a travessia em que Burch morreu, o cenário se tornou caótico. Por causa dos tiros efetuados pela guarda espanhola, os guias bascos retornaram em direção à França. Jean François, responsável pela Linha Cometa, também retornou após uma frustrada tentativa de travessia. Os únicos a atravessar em segurança o rio naquela noite foram três aviadores e o belga Daniel. Entre estes aviadores estava Stanford, da tripulação de Burch. Todos foram surpreendidos por uma patrulha espanhola que os prendeu. Alguns dias depois, por meio de contatos entre a resistência e os britânicos, os homens foram identificados como aviadores aliados e resgatados por representantes consulares britânicos, em território espanhol.

A Linha Cometa prosseguiu seus serviços de resgate de aviadores aliados, embora tenha quase sucumbido em 1944, graças à ação de um agente alemão infiltrado. Com a chegada dos aliados à França, seus serviços foram suspensos e iniciou-se a caça por traidores. A Linha conseguiu atravessar pela fronteira mais de duas centenas de aviadores aliados. Em 1944, as vésperas da invasão pelas praias da Normandia, o grupo conseguiu manter em segurança, escondido nas florestas belgas e francesas, mais de 400 aviadores, que foram transportados em segurança à Inglaterra entre julho e setembro de 1944.


[1] AMBROSE, Stephen. Azul sem Fim. Bertrand Brasil: Rio de Janeiro, 2005. p. 104. Em agosto de 1943 era crítica a falta de tripulações na 8ª Força Aérea. Existiam mais aviões em solo do que tripulações disponíveis para pilotá-los.
[2] Quando me refiro aqui a territórios ocupados refiro-me principalmente à França, Bélgica e Holanda. Estes três países tiveram movimentos de resistência civil bastante fortes durante toda a guerra e atuavam seguidamente com os aliados, enviando relatórios de espiões e informações importantes para os serviços de inteligência britânicos e americanos.
[3] Para maior entendimento dos trabalhos efetuados pela Linha Cometa, aconselha-se a leitura de EISNER, Peter. O Caminho da Liberdade. Jorge Zahar: Rio de Janeiro, 2005. Este artigo foi bastante influenciado pela leitura desta obra.
[4] US Army Enlisted Records (1941-1946) disponível em http://www.archives.gov/ .
[5] EISNER, Peter. op. cit. p. 199.
[6] http://www.8thafhs.org/bomber/385bg.htm
[7] Este artigo esta sendo escrito com base no MACR (Missing Air Crew Report) n. 826 da tripulação de Burch. Juntamente com o relatório, existe o Casualty Report onde alguns tripulantes, no pós guerra, adicionaram informações sobre os tripulantes mortos/desaparecidos do vôo. Como a entrevista foi feita entre 1946 e 1947 (possivelmente estendendo-se até 1948, dada a quantidade de tripulações entrevistadas), os entrevistados não souberam informar com exatidão a data e a ordem das missões completadas. Com base em um cruzamento de dados de informações disponíveis em sites de outros grupos de bombardeio, eu estabeleci estas datas como as prováveis para cada missão, embora não tenha conseguido descobrir a data do bombardeamento de St. Nazaire: (?) missão para St. Nazaire, 27 setembro de 1943 missão para Emden, 2 de outubro de 1943 missão para Emden, 4 de outubro missão para Frankfurt, 9 de outubro missão para Marienburg e 10 de outubro missão para Munster
[8] AMBROSE, Stephen . op. cit. p. 100.
[9] http://www.alharris.com/stories/munster.htm
[10] Missing Air Crew Report 826, Air Force Historial Research Agency, disponível em http://www.footnote.com/
[11] Informações da ficha elaborada pela Evasion Comete, na França, disponível em http://www.evasioncomete.org/fstanfola.html
[12] Missing Air Crew Report 826, Air Force Historial Research Agency, disponível em http://www.footnote.com/
[13] EISNER, Peter. op. cit. p. 199
[14] http://www.evasioncomete.org/fashcrajt.html
[15] http://www.joebaugher.com/usaf_serials/1942_1.html
[16] EISNER, Peter. op. cit. p. 188.
[17] EISNER, Peter. op. cit. p.223.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Emil Petr: um Veterano da USAAF que mora em Natal-RN

Caros Leitores:

Lamento profundamente a falta de atualizações do blog Memórias do Front. Acredito que este ano que entra trará novas oportunidades de publicar textos inéditos e interessantes sobre a história da Segunda Grande Guerra.
O texto apresentado hoje é de autoria de Rostand Medeiros que entrou em contato comigo e pediu a divulgação de seu trabalho junto a um veterano que mora atualmente em Natal. Boa leitura e bom final de ano a todos!


No último o dia 13 de novembro, em meio ao dia de “Portões Abertos” do exercício militar CRUZEX 5, depois de 66 anos, Emil Anthony Petr o único veterano norte-americano da II Guerra Mundial vivendo no Rio Grande do Norte, estava novamente ao lado de uma aeronave de combate da Força Aérea dos Estados Unidos: um moderno caça F-16. Este veterano foi respeitosamente tratado pelos militares do seu país. Em janeiro de 1942, quando o jovem Emil buscou um local de alistamento para se engajar na luta contra os nazi-fascistas, este filho de simples agricultores, natural da pequena cidade de Deweese, Nebraska, tinha certeza de que “não queria lutar em trincheiras, mas no ar”.

Foi primeiramente designado para o 57º Grupo de Caça, na área de Boston. Quando estava para seguir com a sua unidade para o deserto do norte da África, ele conseguiu a aprovação para cursar a escola de formação de navegadores, em San Marco, no Texas. Em 1943, após conseguir a patente de segundo tenente, foi designado para atuar em bombardeiros B-24. Mas não era o fim de sua preparação. O tenente Petr seguiu para a base aérea de Langley, Virginia, onde se especializou na tarefa de bombardeio por radar.

Em abril de 1944 chegou a sua transferência para a 15ª Força Aérea, no sul da Itália, para atuar no esquadrão 139º, do 454º Grupo de Bombardeio, baseado no campo de San Giovanni, próximo a cidade de Cerignola.

Durante o trajeto para a Europa o tenente Emil esteve no Brasil, mas não em Natal. Seu trajeto passou pelas cidades de Belém e Fortaleza, onde guardou boas lembranças: “Não era para ter conhecido Natal na época da guerra, mas foi para cá que optei por viver e me casar”.
Os aviões B-24 que transportavam radar eram diferentes das outras aeronaves deste modelo. Era retirada a torre de metralhadora no formato de bola, que se encontrava na parte inferior do quadrimotor, para a colocação de um domo de radar. Devido à configuração deste radar, com as antenas em formato de “orelhas de rato”, estes B-24 eram conhecidos como “Radar Mickey”. Estes aviões especiais transportavam 11 pessoas, ao invés de 10, que era o número normal de tripulantes de uma B-24.

No 454º Grupo de Bombardeio havia uma seção específica de pessoas que trabalhavam com sistemas de radar. Quando Emil foi escolhido para uma missão de bombardeio, ele me disse que era extremamente focado em seu trabalho. Ele sabia que qualquer erro poderia comprometer todo o grupo de aeronaves e suas tripulações. De abril a setembro de 1944 o tenente Emil participou de 38 missões sobre a Europa ocupada. Em uma delas, atacaram a fábrica da Messerschmitt, em Bad Voslau, na Áustria. O bombardeamento desta estratégica unidade fabril rendeu ao 454º Grupo de Bombardeio uma citação de combate do presidente dos Estados Unidos.

Mas no dia 13 de setembro de 1944, quando na sua 39º missão, a de número 117 do 454º Grupo de Bombardeio, cujo objetivo era uma refinaria na cidade alemã de Odertal, seu B-24J foi atingido pela artilharia antiaérea. O comandante da nave, o capitão Allen Leroy Unger tentou retornar a Itália. Próximo a cidade de Modra, no atual território Eslovaco, Emil e seus 10 companheiros tiveram de saltar de pára-quedas.

Ninguém morreu, mas a maioria foi capturada. Todos foram levados para o campo de prisioneiros Stag Luft III, em Sagan (atual Zagan, na Polônia) e o sofrimento foi grande. Depois de quatro meses como prisioneiro de guerra neste campo, as tropas russas estavam avançando a partir do leste e começaram a se aproximar do campo. Segundo os livros relativos à Segunda Guerra Mundial Adolf Hitler mandou evacuar Stalag Luft III, pois além de não querer que estes 11.000 aviadores aliados fossem libertados pelos russos, havia a intenção de utilizá-los como reféns.


A saída do campo se deu entre 27 e 28 de janeiro de 1945. Emil lembra que era uma noite muito fria quando os alemães lhe ordenaram a pegar o que pudesse para marchar para outro campo. A caminhada foi realmente terrível, pois estes prisioneiros já estavam bem debilitados e havia muita neve e frio. Seguiram para um lugar chamado Spremberg, em quase 100 quilômetros de marcha forçada. Em 31 de Janeiro os homens seguiram para o Stalag Luft VIIA, em Moosburg. Durante dois dias de viagem, os aviadores foram levados em vagões de transportar gado. Moosburg era uma verdadeira pocilga, onde os alemães amontoaram mais de 140.000 prisioneiros aliados, entre estes alguns brasileiros. Finalmente os prisioneiros foram libertados pelos soldados da 14ª Divisão Blindada, do 3º Exército do Exército Americano, comandados pelo general George Patton.


Para o veterano residente em Natal, a lição mais importante da guerra foi a “Falta de justificativas para a violência”, que no seu entendimento ainda não foi aprendida pela humanidade. Depois de retornar aos Estados Unidos, Emil tentou a universidade de Lincoln, sem sucesso e foi trabalhar em uma empresa de construção da família. Mas este americano de origem eslava, de profunda devoção católica, decidiu trabalhar como um voluntário em obras assistenciais na America Latina, através de um programa criado pelo Papa João XVIII.


O destino o trouxe a natal em 1963, onde conheceu Dom Eugenio de Araújo Sales (na época Bispo de Natal) e se incorporou no programa SAR – Serviço de Assistência Rural. Emil teve oportunidade de conhecer o sertão potiguar, os aspectos ligados aos trabalhadores rurais nordestinos e veio a ser casar com a assistente social Célia Vale Xavier da cidade de Caicó. Chegaram a adotar a jovem Maria Isabel, mas a mesma faleceu de uma rara doença em 1984.
Nos últimos anos surgiu no veterano a vontade de contar sua história, principalmente depois do falecimento de sua esposa. O autor deste artigo havia sido um dos realizadores do livro “Os cavaleiros dos céus – A saga do vôo de Ferrarin e Del Prete”, que narra a história da primeira travessia sem escalas entre a Europa e America do Sul, realizada pelos pilotos italianos Arturo Ferrarin e Carlo Del Prete, em 1928. Emil, um grande leitor sobre aviação, gostou do livro e me convidou para escrever sua biografia.
Desde o primeiro semestre de 2010 iniciamos a fase de entrevistas, daí seguimos para fazer contato com pessoas e entidades nos Estados Unidos e na Eslováquia. Depois partimos para a análise de suas cartas e de sua esposa, Célia Vale Petr. Outras fontes são seus apontamentos compilados em um diário, muitas fotos, além do livro da sua formatura como oficial navegador, o livro oficial do seu esquadrão (publicado em 1946) e outras fontes.

O lançamento está previsto para abril de 2011.

Rostand Medeiros – Pesquisador


quarta-feira, 13 de outubro de 2010

U boats - Mergulhando na História

Caros leitores,

Gostaria de divulgar aqui a iniciativa de um colega querido.
O 2o tenente R/1 Nestor Antunes de Magalhães está lançando seu primeiro livro.
Ele fez diversos mergulhos em u boats naufragados pelo mundo e o resultado de suas aventuras transformou-se em livro!


Abaixo, um pequeno trecho do prefácio:

Estas aventuras, realizadas nas mais difíceis condições técnicas e financeiras inclusive, dá ainda mais valor ao excelente trabalho realizado pelo autor, que por não ter apoio oficial em suas viagens, investe seu tempo e dinheiro em trazer à tona, literalmente, para seus leitores, todas as emoções de se mergulhar em uma das mais temidas e eficazes máquinas de guerra que a Humanidade já viu em ação: os famosos “Lobos Cinzentos”, como eram conhecidos os submarinos alemães da Segunda Guerra.

As sagas submarinas do autor e suas visitas aos mais importantes museus militares do mundo, ilustram bem o grande interesse que há pelos submarinos alemães, passados mais de 64 anos do fim da II guerra Mundial.

De todas as armas desta guerra, os “U-Boats” (uma abreviatura do termo Unterseeboote ,que significa barco que navega sob a água em alemão), foram a maior preocupação das forças Aliadas durante os quase 6 anos de duração do conflito, sendo que o próprio Primeiro Ministro inglês na época, Sir Winston Churchill, declarou que a Inglaterra por pouco não capitulou frente à Alemanha por causa da atuação de seus submarinos.

O Nestor lançou um BLOG para divulgar o livro e dar informações sobre a venda. O endereço é

http://cavaleirodasprofundezas.blogspot.com/


Vale a pena dar uma passada por lá e conferir o trabalho do Nestor! O livro já pode ser encomendado antecipadamente também. O meu já esta garantido!

domingo, 21 de março de 2010

Tenente Hugo Alves Correa: um comandante de Pelotão na FEB.

“No dia 28 de abril de 1945 durante a posse de Caiamo, foi o seu pelotão que mais se aproximou daquela localidade e graças aos preciosos fogos de suas armas automáticas, puderam outros nossos elementos conquistar a referida localidade. O tenente Hugo é um oficial jovem, bravo e tem revelado grande ardor combativo”.[1]


Os homens corriam enquanto a Artilharia bombardeava o alto do morro. Se houvesse um observador naquelas encostas naquela manhã certamente ele conseguiria ouvir, mesmo com o ensurdecedor barulho do bombardeio, a respiração ofegante de homens que subiam metro por metro a íngreme encosta da cota 722. Era necessário ser rápido e preciso: aquele era um objetivo a cumprir dentro de um plano maior que previa a eliminação dos alemães nos apeninos italianos. O aspirante Hugo Correa liderava o pelotão que avançava metro por metro carregando seu pesado equipamento. Por ultimo seguia o sargento Andirás Nogueira, guiando os retardatários do pelotão e cuidando da retaguarda. Era uma manhã do dia 5 de março de 1945 e esta foi a missão confiada ao aspirante Hugo Alves Correa naquele dia. Esta é a história de um militar que participou ativamente dos combates em que a Força Expedicionária Brasileira se envolveu entre 1944 e 1945 na II Guerra Mundial.


Em uma manhã de 4 de novembro de 1944, a turma de aspirantes a oficial de 1941 da Escola Militar do Realengo reunia-se no pátio da escola para a sua formatura. Aqueles vários cadetes foram considerados aptos a seguir com a carreira militar e foram, durante três anos, treinados intelectual e fisicamente para se tornarem valorosos comandantes de pelotão. O instrutor chefe da escola anunciou que esta turma seria contemplada com 10 vagas para o Depósito de Pessoal da Força Expedicionária Brasileira, ou seja, dez homens naquele dia ganhariam os seus passaportes para a Segunda Guerra Mundial. Uma lista de nomes foi lida; nela constava o nome de dez aspirantes cuja trajetória na Academia havia sido de louvor. O nome de Hugo Alves Correa foi lido logo em seguida. Ele seria um dos dez homens que partiria em breve para o teatro de operações europeu e se reuniria junto a Força Expedicionária Brasileira na Itália.

O tempo correu e os preparativos eram muitos. Havia a necessidade de se confeccionar um novo uniforme além dos tramites burocráticos típicos de uma saída repentina. Em 22 de novembro o aspirante Hugo embarcava no navio de tropas General Meighs e dois dias depois via, de longe, a Baia de Guanabara como ultima visão de seu querido Brasil. A viagem transcorreu normalmente e, naquela altura, o Atlântico parecia um ambiente livre da ameaça dos outrora temidos u-boats. Chegando a Nápoles dia 7 de dezembro de 1944, os homens só desembarcaram dois dias depois, quando finalmente pisavam em terra firme e eram transferidos para um acampamento intermediário. O frio logo surpreendeu a todos e mostrou àqueles homens que a tarefa não seria fácil.

O acampamento permanente foi estabelecido em um acampamento próximo a Pisa, no final do mês de dezembro. Naquela altura da guerra o Marechal Mascarenhas de Moraes já possuía o comando global de sua divisão bem como liberdade de ação total. Em dezembro, o comandante do IV Corpo de Exército havia decido empregar ofensivamente todo o 1º DIE ampliando, conseqüentemente, o setor brasileiro.

Na noite de 1º para 2 de dezembro a maioria desta tropa foi colocada em linha ficando apenas os elementos do Depósito de Pessoal nos acampamentos afastados do front. A FEB atuava, em dezembro, em uma linha de 18kms no vale do Rio Reno, nas proximidades de grandes elevações como Castelo e Belvedere. Ao mesmo tempo em que o Marechal Von Rundstedt dirigia a ofensiva alemã na floresta das Ardennas, em meados de dezembro no limite França-Bélgica, também na Itália houve a tentativa de uma ofensiva para barrar o avanço aliado. O marechal Kesselring desfechava na noite de 25/26 de dezembro uma operação de magnitude para desviar a atenção aliada de Bolonha e capturar Livorno, um dos melhores portos italianos. A partir de 13 de dezembro até meados de fevereiro a ação da Força Expedicionária Brasileira resumria-se a patrulhas e ao constante contato com o inimigo. O frio, na realidade, era um dos grandes inimigos dos soldados, com temperaturas de até 18 graus abaixo de zero.

No acampamento de Pisa os aspirantes, mais familiarizados com o armamento americano, foram utilizados para treinar os soldados brasileiros no manejo das armas e nas condutas de guerra entre o final de dezembro e fevereiro. No dia 17 de fevereiro, o aspirante Hugo recebeu a noticia de que seria transferido para o 6º Regimento de Infantaria a fim de comandar um pelotão de fuzileiros nas ações que a guerra trazia consigo. Ele recebeu o comando de um pelotão veterano: era o segundo pelotão da II Companhia do 6º RI cujos homens já haviam participado de combates em Camaiore, Barga e Monte Piano e estavam resistindo em uma linha cerrada de trincheiras e fox-holes no rigor do inverno

A posição defensiva de Hugo era angustiante. Bombas alemãs espocavam aqui e ali para lembrá-los do rigor da guerra. Patrulhas saiam de acordo com as ordens do batalhão ou para explorar o terreno ou para contatar o inimigo. O frio era a parte mais atroz de todo o cenário: aquele inverno de 1944-1945 foi um dos mais rigorosos nas ultimas décadas na Europa. Os soldados aguardavam dias melhores que a primavera iria trazer para que pudessem expulsar os alemães de suas posições bem defendidas no alto dos cumes dos apeninos italianos.

O período defensivo em que a FEB esteve envolvida, de acordo com o comandante Lucian Truscott, não significava o intervalo da luta. Na verdade, tanto alemães quanto aliados estavam reunindo suas forças para os combates da primavera. Ele lembrou que a artilharia alemã se fazia muito presente bem como o uso de morteiros e era necessário, em muitos locais, a utilização de cortinas de fumaça durante o dia para impedir que as linhas aliadas fossem alvo fácil da artilharia alemã. Este depoimento é encontrado na maioria das memórias escritas por veteranos e o clima foi um fator bastante grave durante todo o período. As noites frias desolavam os homens e as patrulhas mantinham a sensação de que guerra estava bastante presente. Cesar Maximiano descreveu com bastante exatidão a situação dos soldados brasileiros naqueles dias: “os Fox-holes eram profundos e forrados com feno, reforçados com sacos de juta cheios de terra, pedras, troncos de árvore e telhas de metal corrugado, se disponíveis. (...) por mais que um soldado se empenhasse em melhorar a sua posição, a lama e o frio que oscilava entre 15 e 25 graus negativos imperavam na linha de frente. Além do desconforto físico, o frio poderia comprometer a eficiência do combatente. [O soldado] temia enregelar as mãos e não poder usar a metralhadora”.[2]


A fase estacionária da guerra terminou para Hugo em março de 1945. Como parte da ofensiva de primavera, o 1º DIE ficou responsável por três objetivos a serem desempenhados: A conquista de Monte Castelo e Monte Belvedere antes do final de fevereiro seguido na limpeza do vale do Marano seguindo a direção de Santa Maria Villiana – Monte della Croce; e na terceira fase as tropas brasileiras passariam novamente ao ataque, tendo como objetivo Torre de Nerone – Castelnuovo, com a eliminação de Soprasasso. Para este terceiro objetivo o pelotão comandado pelo aspirante Hugo teve como tarefa conquistar a cota 722 entre o Soprassaso e Castelnuovo de modo a isolar os alemães entrincheirados naquela cota impedindo a comunicação e o auxilio destes aos alemães entrincheirados em Castelnuovo. Lá os alemães dispunham de ótimos abrigos e observatórios, fora os extensos campos minados ao redor do Vale de Morano e na região de Soprasasso – Castelnuovo. Na foto ao lado é possivel observar a ingrime encosta de Castelnuovo. No dia 4 de março o pelotão de Hugo iria fazer uma rápida patrulha a fim de explorar o terreno que seria percorrido no dia seguinte, quando a ofensiva fora marcada. Antes de saírem encontraram outro pelotão que retornava e, de acordo com Hugo “a patrulha mal conseguira deslocar-se, tal era o poder de fogo do inimigo. Foi uma ducha fria sobre a minha cabeça. O cansaço domina a mente e, apesar do insucesso desta patrulha, consegui dormir durante a noite sentado de encontro a uma parede”.[3] O aspirante Correa aguardava, na verdade, o amanhecer do dia que o levaria a ter contato direto com os alemães.

A preparação do ataque foi feita por uma intensa barragem de artilharia. Ela continuaria enquanto os homens subissem a íngreme encosta da cota 722 e cessaria assim que eles lá chegassem. O aspirante Hugo seguiria na frente enquanto os homens o acompanhavam em coluna por um. A íngreme encosta com aproximadamente 500m parecia interminável. Os homens alcançaram o topo do morro no momento em que a artilharia cessou. Ao avançarem sobre os abrigos alemães atirando e gritando, os soldados do aspirante Correa imobilizaram cerca de 15 soldados alemães que rapidamente se renderam aos brasileiros. Todos foram revistados e encaminhados ao PC do Batalhão. A rápida ação comandada pelo aspirante Correa lhe rendeu a Cruz de Combate de 2ª Classe naquele dia. Ao longo do dia as batalhas evoluíram em diversos pontos da ofensiva e culminaram no final da tarde, quando soldados do Iº/6º RI penetravam em Castelnuovo e simultaneamente em Soprasasso. Castelnuovo foi conquistado por volta das 19 horas e acentuou os louvores do Gen. Crittenberger as ações de guerra do 1º DIE.

Após esta ação, o pelotão de Hugo foi transferido para Capela de Ronchidos e em 14 de março ele recebeu ordens para freqüentar um curso de Comandante de Pelotão oferecido pelos americanos em Santa Ágata di Gotti, próximo de Roma. Este curso tinha como objetivo aprimorar os soldados aliados nas ultimas técnicas de combate desenvolvidas pelos americanos. O curso era bastante prático e puxado. Os exercícios eram feitos com munição de verdade e sua duração era de 4 semanas. Ao termino do curso, Hugo retornou ao seu pelotão que a esta altura já estava na região de Selegara.

Por esta época, em reunião no dia 8 de abril, ficou esclarecido que a 1º DIE estaria responsável pela captura de Montese, Cota 888 e Montello dentro da Operação Artífice, codinome dado aos aliados a ofensiva da primavera. A data da ofensiva brasileira ficou marcada para 14 de abril, o chamado ‘Dia D’ na Itália. Nesta noite a infantaria brasileira enfrentou um dos piores contra-ataques alemães, com fogo de morteiros, granadas e artilharia na região de Montese. Apesar do esforço do Batalhão de Engenharia, muitas vidas foram ceifadas com as minas ao longo da jornada do dia 14. A euforia da conquista de Montese se apoderava de todos os oficiais brasileiros, mas parte da missão ainda estava incompleta: a capitulação de cota 88 e Montello.

Na manhã do dia 15 a tropa brasileira faz nova arremetida contra o complexo de Montese, com o objetivo de conquistar cota 88 e Montello que ofereciam forte resistência alemã. De fato, aguerrida foi a batalha contra os germânicos, pois a perda destes importantes locais significava o fim da guerra para o exercito alemão na Itália. Durante todo o dia 15 calculou-se a queda de mais de três mil e duzentos projeteis de artilharia alemã no setor da 1º DIE. Graças a esta resistência, as baixas ao longo do dia foram de 129 brasileiros. A luta por Montello prossegue durante o dia 16 e o pior inimigo das tropas brasileiras se chamava Schuhmine: a temida mina alemã feita de madeira, que não podia ser detectada pelos detectores de metais e que costumava arrancar o pé de um homem e que estava espalhada por toda a área de Montese – Montello.

A conquista de Montese pela FEB foi a etapa de maior importância na operação aliada da primavera. Ela contribuiu para a fixação das tropas em uma região de grande importância, obrigaram o inimigo a fazer uso em grande escala de munição e custou muito aos brasileiros: em três dias de luta perderam-se 426 soldados entre mortos e feridos. Foi o episódio mais sangrento suportado pelas forças brasileiras na Itália.[4]

Em prosseguimento as ordens do IV corpo, o 1º DIE segue em 19 de abril para a região de Zocca – Il Monte com o objetivo de capturá-la e prender elementos esparsos do exercito inimigo. Durante este dia, os soldados brasileiros defrontavam-se com a morte, quando corpos de soldados alemães jaziam insepultos no campo de batalha. De vez e outra grande estrondos eram ouvidos: os alemães tratavam de destruir aquilo que não podiam carregar em sua cega retirada. As minas continuavam sendo um problema e o batalhão de engenharia trabalhava sem cessar. Em 21 de abril a cidade de Zocca era conquistada pelos soldados brasileiros, tendo fraca oposição alemã. Enquanto isso, os aliados adentravam a cidade de Bolonha, sendo recebidos pela população que saudava os libertadores.

Neste momento o inimigo se retira apressadamente com o objetivo de atingir o rio Adige e chegar até os Alpes austríacos. Os aliados temiam que a região da Baviera alemã se tornasse um reduto nazista após a queda de Berlim. A notícia de que as tropas nazistas espalhadas pela Alemanha e pela Itália pudessem se juntar nos Alpes fez com que o Gen. Eisenhower mandasse o Gen. Patton avançar sobre a Baviera. Em 23 de abril o 1º DIE recebe ordem de avançar na perseguição ao inimigo, ao sul do rio do Pó.

Durante estes dias a ação foi intensa. Os homens moviam-se constantemente atrás dos alemães e as posições eram totalmente moveis. Hugo comandava os seus homens em ações de assalto e perseguição a pequenos grupos de alemães além de patrulhas de contato com o inimigo. Por sorte, mesmo enfrentando os perigos de uma guerra, Hugo jamais se ferira. Próximo a Gaiano, em 29 de abril de 1945, o aspirante Hugo assistiu a rendição de diversas unidades alemãs e a sua passagem pelas estradas, completamente desarmados. Para Hugo este foi um “espetáculo impar a que assistimos naquele momento! Ficaria gravado na minha memória e guardado como uma das recompensas pela mina participação voluntária naquela aventura guerreira”.[5]

A guerra chegava ao fim naquele final de abril de 1945 para as tropas estacionadas na Itália.


O ano agora é de 2010. O então aspirante a oficial Hugo Alves Correa é hoje um homem de 89 anos que carrega na memória a experiência de ter participado da maior guerra do século XX. Ao retornar ao Brasil este valoroso soldado foi reformado e seguiu a sua vida. Mas as lembranças destas ações permanecem vivas em sua memória. Este texto é uma homenagem a este homem e a todos os que, há 76 anos atrás partiam rumo ao desconhecido, muitos mesmo rumo a morte, para lutar em nome de nosso país e de nossa civilização. Viva o Brasil, Viva a FEB!




[1]Citação da Cruz de Combate de II Classe ganhada pelo 2o Tenente Hugo Correa pelas ações desempenhadas em 5 de março de 1945.
[2] MAXIMIANO, Cesar Campiani. Trincheiras da Memória. Tese de Doutoramento. USP, 2004. p. 127
[3] CORREA. Hugo Alves. Um pelotão de Infantaria em Combate. Edição do Autor. S/d. p. 13
[4] MORAES, J.B. Mascarenhas. A FEB pelo seu Comandante. 2°. ed. Rio de Janeiro, 1960. p. 206
[5] CORREA. Hugo Alves. Um pelotão de Infantaria em Combate. Edição do Autor. S/d. p. 22